"Na mesma semana, Itália consagrou um novo campeão e França praticamente decidiu, também, quem levará o título da Ligue 1. O Nápoles selou o triunfo na Série A e o PSG aumentou para seis os pontos de vantagem no topo da tabela, quando só faltam quatro jornadas por disputar. No entanto, o ambiente em Nápoles e em Paris não poderia ser mais diferente.
No sul de Itália há uma festa feita de euforia, uma celebração que mistura o sagrado com o profano, um exagero de emoções retratado com pinturas nas paredes, choros, abraços, Paolo Sorrentino no relvado a celebrar com a equipa, gente que guarda a relva de Udine, onde o scudetto foi conquistado, como se de alguma relíquia divina se tratasse. Um momento pelo qual aquela gente esperou 33 anos, a primeira consagração sem Maradona, a estreia a ganhar sem ser guiado pela canhota do profeta argentino que elevou Nápoles e o Nápoles a patamares inimagináveis.
Enquanto em Itália se grita pelo terceiro scudetto dos azuis do sul, em França o PSG caminha para o nono campeonato nos últimos 11 anos. Até à compra do clube por parte do dinheiro do Catar, em 2011, os parisienses eram um clube triste, desorganizado, longe dos êxitos que se ambicionavam. Agora, mais de uma década depois do momento em que o PSG se tornou um posto avançado das ambições do Catar na geopolítica global, os parisienses são um clube triste, desorganizado, longe dos êxitos que se ambicionavam.
Vamos por partes. Como pode um clube prestes a ganhar o nono campeonato dos últimos 11 e que ergueu 29 troféus nos últimos 12 anos ser triste? Porque, por muito domínio interno que o dinheiro tenha trazido, apesar dos milhões que seduziram Beckham e Ibrahimovic, Mbappé e Neymar, Messi e Sergio Ramos, o clima no PSG é sempre de insatisfação, de insuficiência, de protesto. Na semana em que nova Ligue 1 se tornou, novamente, uma formalidade, houve protestos irados dos adeptos às portas da sede do clube e das casas de Neymar e Verratti, pedindo a demissão da direção do clube. Se tiverem ali no bolso €2,91 mil milhões, valor em que a “Forbes” avalia o PSG, talvez consigam o que pretendem.
Como pode um clube prestes a ganhar o nono campeonato dos últimos 11 e que ergueu 29 troféus nos últimos 12 anos ser desorganizado? Os treinadores sucedem-se ao ritmo a que as eliminações da Liga dos Campeões passam. De Emery para Tuchel, de Pochettino para Galtier. Os diretores desportivos tornam-se, também, alvos fáceis, de Antero Henrique para Leonardo, culminando em Luís Campos. Pega-se no dinheiro do Catar para juntar Mbappé, Messi e Neymar, qual criança a jogar um videojogo, e chega-se a Munique, ao jogo mais importante da época, e do banco saem El Chadaile Bitshiabu (17 anos, estreia absoluta na Champions), Zaire-Emery (17 anos, terceira partida na Champions) e Hugo Ekitiké (20 anos, quarto duelo na Champions).
Como pode um clube prestes a ganhar o nono campeonato dos últimos 11 e que ergueu 29 troféus nos últimos 12 anos andar longe dos êxitos que se ambicionavam? Há várias temporadas que o êxito em Paris se mede pela Liga dos Campeões. E a Liga dos Campeões passa longe de Paris. Não é só que o PSG nunca tenha vencido a competição — é que só passou dos quartos-de-final da prova em duas ocasiões.
No meio deste caos milionário, desta tristeza com sabor a notas, há uma lenda viva a viver a fase final da sua carreira. Lionel Messi foi à Arábia Saudita sem autorização do clube, foi suspenso e pediu desculpa. Já voltou aos treinos , mas é sintomático do que é o futebol em 2023 que o astro argentino se veja no meio desta guerra entre estados que o querem utilizar para promoverem a sua imagem, qual cartaz publicitário de legitimação internacional com 1,70 metros de altura.
O PSG vai, tal como o Nápoles, ser campeão. Será o nono título em 11 anos, o triplo das vezes que o Nápoles venceu a Serie A em toda a sua história. Mas, olhando para as caras dos adeptos de um lado e de outro, vendo como uns choram de alegria e outros se juntam em protestos irados, como uns sentem que fazem parte de um povo em comunhão em torno de um clube e outros são meros espectadores passivos de estratégias geopolíticas, fica claro que o mesmo título sabe a coisas tão diferentes quando se está em estados mentais opostos.
Em Nápoles, a vida sabe, por estes dias, a algo de único. Em Paris, a receita repetida dada a provar pelo cozinhado feito à base de milhões sabe a nada, desfazendo-se na boca como cinzas."
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