"O Benfica ganhou por 0-1 ao Vitória, em Guimarães. A este Vitória que lhe roubou a bola, fez mais remates, teve a iniciativa, fabricou mais jogadas com fim na área e jogou de uma forma que puxou pelo melhor da equipa de Bruno Lage, mesmo que esse melhor não a tenha feito jogar como costuma
A ideia de tirar a bola a uma equipa nascida, criada e reputada para não viver sem a ter, é arrojada. Carregado até ao tutano de jogadores cujas características, juntas, muito funcionam se muito tocarem na bola e a quem Bruno Lage, há coisa de nem dois meses, por fim juntou com constância no onze, o Benfica é um dos grandes mandões da posse no campeonato português.
Ver o Vitória, por mais que se acompanhe da bola, ditatorialmente, contra as restantes equipas, a usar as posses com tempo que tem, desde trás, para dar passes rasteiros, verticais e cheios de propósito no meio de movimentos pensados - lateral a esticar, médio interior a não ultrapassar o meio e o extremo a aparecer por dentro, no espaço criado - e, quando perde a bola, a ter jogadores pressionantes e agressivos nos duelos, não é que fosse, de todo, inesperado.
O esperado talvez fosse não ter tanto, tão eficaz, nem tão continuado sucesso a fazê-lo contra o Benfica.
À forte reacção à perda, que fazia os jogadores levarem o lado bom de quase todos os duelos, o Vitória compactava os extremos aos médios e, salvo uma jogada, nunca deixou o Benfica ligar passes por dentro, ou dava tempo e espaço para Gabriel ou Taarabt darem circulação às jogadas.
Mas quando, na sua própria metade, os jogadores vitorianos se mantiveram, alinhados, a olhar para a bola, Cervi, o extremo de arraias tão fiéis à linha lateral, foi pedir a bola ao centro, nas suas costas, recebeu o passe vertical que os bateu e tirou a todos da jogada, virou-se, jogou apoiado em Chiquinho e foi à área receber o cruzamento atrasado de Pizzi para fazer o 0-1 no único remate do Benfica na primeira parte.
Por essa altura (23’), havia um 59%-41% de companhia da bola para o Vitória, balança que se aguentaria a pender assim, com mais remates, mais ataques - que é ultrapassar a linha do meio campo com a bola controlada, chegar aos últimos 30 metros, entrar na área adversária ou seja lá o que for para as estatística da Liga - e mais influência na bola de Lucas Evangelista a acelerar jogadas, João Carlos Teixeira a variar os passes e Pêpê a dar vazão limpo e com critério às saídas de bola.
O Benfica marcou um golo e Vlachodimos apenas esticou os membros e sujou o equipamento para desviar cortar alguns cruzamentos ameaçadores e desviar um remate perigoso (Evangelista), mas Ivo Vieira, não ganhando, tinha o Vitória a tirar a bola ao adversário, a não ter que pular sectores para ligar jogadas até à área e a desmontar a organização defensiva contrária com passes e as ocasionais serpentinas de fintas de Marcus Edwards.
Tão ultrapassável que foi, na primeira pressão, até ao intervalo, o Benfica deixou de ter Vinícius e Chiquinho em diagonal, para contrariar a saída adversária e tentar limitar os passes que sempre chegavam a Pêpê. Um deles passou a estar nas suas costas, a fazer por o impedir de se virar com as bolas que recebia e não variar o sítio onde a bola rolava com os passes longos e aéreos que raramente falhava.
Taarabt recuou também uns metros, perfilou-se mais na linha de Gabriel - o marroquino, quem o viu e o vê agora, a cortar passes, recuperar bolas e desarmar adversários -, ambos cerravam os espaços entre as suas costas e as barbas dos centrais e conseguiram limitar as recepções de Davidson ou Edwards ao centro.
Não tentando ser ladra tão à frente no campo e juntando mais as linhas, o Benfica conseguiu, sobretudo a partir dos 60 minutos, dar mais esperança média de vida às bolas que recuperava, saíndo em transições rápidas quando escapava à pressão pós-perda sempre forte do Vitória, porém mais falível com o cansaço e o tempo a contar.
Vinícius, quase sozinho, inventou o segundo remate do Benfica no jogo, carregando sobre Pedro Henrique e livrando-se do central já na área. Só nos últimos 10 minutos, com o jogo já pachorrento, com posses de bola pausadas, é que Pizzi ajeitou o terceiro, após Rúben Dias lançar um passe longo que Tomás Tavares, o lateral que perdeu tantas bolas no primeiro terço do campo quantas os defesas do Vitória juntos, recebeu para ele. E Gabriel o quarto, num livre directo.
Só nesses minutos a bola foi do Benfica, já com Samaris em campo para se situar perto de Gabriel e Taarabt, numa equipa a tentar gerir os passes e aproveitar o espaço que o Vitória cansado, que à fadiga dos extremos acrescentou uns médios interiores fatigados por tantas diagonais sem bola acelerarem, de dentro para fora, quando o espaço para encontrar gente entrelinhas foi cada vez mais fechado pelo adversário.
O Vitória acabou a jogar com 10, reduzido pelos pitons que Rochinha cravou numa perna de Samaris, após uma acrobacia, mas terminou com mais remates (os mesmos, quatro, na baliza), jogadas ligadas até à área adversária, até ficarem apenas dependentes do último passe - e do murro que foi a dupla Ferro-Rúben Dias - e, de facto, com a bola roubada ao Benfica durante uma hora e vinte minutos.
Sobretudo na segunda parte, apesar de jogar pouco como costuma, com um bloco mais recuado e sem os médios a pensarem tantas jogadas, o Benfica adaptou-se ao contexto, melhorou no estilo mais contra-atacante que adoptou e fez por anular, ou conter, as dinâmicas e o estilo de jogo do Vitória.
Que perdeu, mas foi derrotado no resultado ganhando na bonança que Ivo Vieira e os jogadores trazem ao futebol em Portugal - haver uma equipa, fora dos três grandes, a jogar desta forma, que jogando assim também puxa pelo melhor que há no Benfica, no FC Porto ou no Sporting.
E, perdoem-me, sem clubismos para aqui chamados e porque assisti, faz pouco tempo, a um retrato fílmico das conversas entre um vindouro Papa e um prestes a ser ex-Papa, este Vitória-Benfica, que provavelmente (fora dois momentos em que tochas foram atiradas para o relvado) será um dos melhores jogos desta época, largou o fumo branco. Habemus bons jogos de futebol."
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