"O que se tem assistindo nos últimos tempos consiste num avolumar de denúncias e contradenúncias, de intervenientes desportivos, quer sejam agentes desportivos na acepção do termo legal, quer não sejam.
Para se compreender melhor, a 'coisa' desenrola-se da seguinte forma:
Um determinado comentador profere as suas opiniões e convicções, num qualquer meio comunicacional. Alguém não gosta do que é dito, ou está instrumentalizado, para, de cada vez que a pessoa X abra a 'boca', fazer uma denúncia, e é feita automaticamente uma denúncia criminal, por isto e por aquilo e por o que for que se quiser.
O Ministério Público recebe a queixa e, em vez de aplicar o artigo 58.º do Código do Processo Penal, que diz:
Constituição de arguido
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que:
a) Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal;
Na redacção que resultou de uma alteração de 2007, a qual exige uma denúncia (qualquer labrego faz uma denúncia), mas exige também suspeita fundada da prática do crime, dizíamos nós, o MP, fazendo tábua rasa deste último pressuposto, constitui logo o denunciado em arguido e interroga-o!
Na quase totalidade dos casos, o MP faz isto pela singela razão de que tem medo de ser 'apertado' pela comunicação social e concomitantemente pela hierarquia.
Passamos a explicar melhor.
(...) o que consta do site da Procuradoria-Geral da República.
Imagine-se que é jornalista, ou adepto de um qualquer clube rival. Constrói-se uma história, vai-se ao site e denuncia-se, já se sabe que o MP abre imediatamente um processo, tem-se uma chave de acesso para se ir sabendo o desenrolar do processo a todo o momento, pode-se ao gabinete de imprensa da PGR que diga se existe algum processo sobre determinado assunto, a PGR responde que sim - é o processo que quem perguntou tinha denunciado anonimamente e por isso conhece-o, mas a PGR não sabe que quem denunciou é quem pergunta, e está tudo feitinho.
Foi assim que se iniciou o processo dos e-mails, e todos sabemos quem fez a denúncia anónima via site da PGR.
Mas, se se quiser arranjar mais confusão, também tem acessível o site da Polícia Judiciária, (...).
É extremamente simples, eficiente e, mais grave, susceptível de grande manipulação.
Todos os grandes processos de que se ouve falar tiveram na sua génese uma denúncia anónima, esta em papel!
(...), parte da denúncia anónima dos Vistos Gold.
(...), parte da denúncia anónima do processo de Manuel Vicente e do ex-procurador do DCIAP. Claro que o Carlos Dengue não existe.
E muitas mais existem.
Esta é a dura realidade dos nossos dias.
Voltando à explicação supra, determinado presidente faz uma queixa e até lhe apetece que seja por si personalizada, o crime é sempre o mesmo - difamação, o MP interroga, investiga e não acompanha a acusação particular do denunciante, este tem de requerer a abertura de instrução, se não provier um juiz 'torto', não o pronuncia, e o denunciante recorre até ao Tribunal da Relação e até pode ir ao Tribunal Constitucional, só para chatear.
Um amigo meu de longa data, na altura, tinha dois filhos menores. Um muito cerebral e outro muito corporal.
Um dia, o cerebral estava a estudar como era seu hábito, o corporal entrou pelo quarto adentro e atirou os livros todos para o chão e pisou-os. O pai foi ter com ele, repreendeu-o e perguntou-lhe: Porque fizeste isso ao teu irmão? E ele respondeu: É só para chatear!"
Pragal Colaço, in O Benfica
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