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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

55 minutos de São Luís, um instante de São Schjelderup, seis minutos de reviravolta do Benfica


"No apaixonado estádio do Farense, os algarvios começaram na frente, mas três golos de rajada, entre os 56' e os 62', deram a vitória (3-1) às águias, que seguem para os quartos de final da Taça. A equipa de Tozé Marreco mostrou alma e organização, mas a magia do jovem norueguês que vive uma semana de afirmação começou a alterar a história da noite

Há exatamente uma semana, Andreas Schjelderup somava o total de zero jogos a titular pela equipa principal do Benfica. Chegado ao clube há dois anos, no mercado de inverno de 2023, o norueguês nunca fora opção inicial pelas águias, tendo numa partida diante do Pevidém, na qual fez 45 minutos, o encontro em que dispôs de mais tempo em campo pelo clube.
Mas a 8 de janeiro algo começou a alterar-se. O jovem de 20 anos foi titular contra o Sporting de Braga, deixando boas indicações. Repetiu a condição três dias depois, marcando na final da Taça da Liga diante do Sporting. E voltou a entrar desde o começo diante do Farense, culminando a semana em que a sua história em Portugal adquiriu contornos diferentes.
O mais incrível do golo que Schjelderup marcou ao Farense, no momento fundamental da vitória (3-1) do Benfica, foi o quão diferente foi da restante narrativa da noite. Estávamos aos 56' e, até ali, o encontro dava-nos um Farense organizado, aguerrido, um osso bem duro de roer. Um problema para os visitantes, que eram um coletivo escasso em ideias, défice que piorou com a saída, por lesão, de Di María.
O jogo ia numa direção, Schjelderup foi noutra. Onde havia falta de criatividade e inspiração para o Benfica, onde rareava o futebol ofensivo e com perigo, Andreas foi a criatividade, a inspiração, o perigo. A bola chegou-lhe, entre várias camisolas brancas. E ele vestiu-se de salvador, de São Schjelderup, São Schjelderup no São Luís, São Schjelderup e o milagre da ressurreição do Benfica.
Condução, progressão com passinhos pequeninos, num futebol tricotado. Movimento da esquerda para o meio, remate, golo. O problema que estava montado, o grande problema para o Benfica, desaparecia pouco depois. Aos 55' o Farense vencia por 1-0, aos 62' o Benfica ganhava por 3-1 e tinha a passagem para os quartos de final da Taça no bolso. Tudo nasceu do momento em que o menino vindo do frio alterou o guião da contenda.
O começo da eliminatória foi, num certo sentido, uma homenagem do Farense ao São Luís. Para esta temporada, a direção do clube decidiu receber os grandes, nos encontros para a I Liga, no Estádio Algarve, dando prioridade à receita financeira em relação ao rendimento desportivo, ao dinheiro face à alma. E bastou ver uns instantes do jogo para compreender como o Farense no São Luís é outro Farense, um Farense em versão multiplicada.
O estádio, pequeno e compacto, empurra a equipa, dá-lhe energia e propósito. Na homenagem do Farense ao São Luís, a equipa de Tozé Marreco usou o jogador que melhor veste este espírito.
Tomané, ponta-de-lança que viveu excelentes temporadas pelo Tondela antes de ir viajar pela Europa, tentando marcar golos na Sérvia, Turquia ou Chipre, parece olhar para o duelo físico antes do que para a baliza. Procura encostar no adversário e só depois fazer mira para as redes. Mas, neste futebol de contacto e combates, futebol como arte de guerra mais do que como expressão estética, também há golo. Aos 7’, de um canto de Merghem surgiu a elevação de Tomané, que atirou para o 1-0.
O festejo, cheio de paixão, mesmo junto dos adeptos dos algarvios, resume porque o Farense no São Luís é um Farense multiplicado face ao frio Farense do Estádio Algarve. Os últimos três golos apontados por Tomané no futebol português foram frente a Benfica, FC Porto (na I Liga, em setembro) e Sporting (em 2019, na derradeira época em que atuara em Portugal, pelo Tondela).
Antes do golo, fora o Benfica a ameaçar. Na primeira ação da partida, Schjelderup — honesto a mostrar desde o arranque quem era o craque em evidência — conduziu e Di María, num dos seus remates de desenhos animados, atirou perto da barra. A noite teve instantes inaugurais de muita ação junto às áreas, mas viajaria rumo a águas mais serenas. O meio-campo de Lage, com Florentino, Barreiro e Aursnes, era uma boa aula sobre como juntar falta de criatividade a falta de criatividade, como se tentasse somar correria e intensidade para diminuir criação de lances e combinações ofensivas.
O panorama da carência de desequilíbrio piorou aos 40’, quando Di María saiu lesionado. Amdouni entrou para o lugar do argentino. O intervalo veio com a clara noção de que os visitantes tinham uma difícil tarefa entre mãos, tendo de derrotar o São Luís, o Farense e a falta de criatividade, tudo ao mesmo tempo.
O segundo tempo veio com uma reedição da madrugada da metade inicial. Bola área colocada pelos locais, Marco Matias a ir buscá-la junto dos pássaros, perigo. O atacante deixou para Tomané, que disparou para defesa apertada de Samuel Soares, uma das quatro mexidas de Lage — além de Bah, Barreiro e Arthur — face ao onze da final da Taça da Liga.
A solução para a falta de criatividade chamava-se Andreas Schjelderup, o rapaz que há uma semana não sabia o que era ser titular pelo Benfica e que sai do São Luís a parecer absolutamente essencial para Bruno Lage, talento crucial para vencer a Taça da Liga e manter-se vivo na Taça de Portugal. Aos 56', a jogada de Schjelderup — já se pode dizer que é uma jogada à Schjelderup, ou ter apenas uma semana como titular torna a patente demasiado precoce? — virou o jogo ao contrário.
1-1. Bola ao centro. Jogada de Álvaro Carreras, naquelas progressões vigorosas, rápidas, mas com uma velocidade intensa, uma passada assertiva. Bola longa para Arthur Cabral, receção, golo. A reviravolta veio em escassos segundos, a tranquilidade chegaria quatro minutos depois.
O lance do 3-1 começou em Arthur Cabral, que reforçou a candidatura rumo a mais minutos. Numa jogada algo atabalhoada, o remate certeiro seria de Bah.
Fechava-se ali, aos 62', a narrativa da noite. Houve emoção, energia, arte, mudança de planos. O terceiro terço da eliminatória seria um mero aguardar pelo apito final. O Farense tem a alma do São Luís, o Benfica tem a nova magia de Schjelderup."

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