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segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Premier Lage e um duende português


"Bruno Lage está a fazer um trabalho impressionante em Inglaterra. Depois dos anos competentes de Nuno Espírito Santo, foi decerto com expectativa que os Wolves receberam mais um português guiado pela mão amiga de Jorge Mendes. Neste momento, na tabela, segue logo após os multimilionários, que são vários, mas o jogo impressiona ainda mais que os números. A equipa não só manteve a segurança defensiva das épocas anteriores como reforçou competências ofensivas. E sem deixar de explorar o espaço, está agora mais paciente com bola. Com isso, controla melhor os jogos, por estar mais vezes a circular no meio-campo contrário e menos dependente dos bons posicionamentos defensivos, que mantém. E um jogar assim é ainda melhor para Ruben Neves e João Moutinho, dois intuitivos de qualidade superior que dominam o centro do terreno e do jogo, porque percecionam antes dos demais a decisão certa a tomar e a prolongam com eficácia em passes de qualidade. Rúben é uma bússola, o elemento que indica o caminho certo a dar à bola, distinguindo com facilidade se curto ou longo, e por via dela à equipa, que nunca se desorienta. João Moutinho é o metrónomo, o marcador de ritmos ofensivos e defensivos, que pode estar menos rápido de pernas mas que nunca vi mais fulgurante de pensamento. Se o futebol é um jogo de conquista e ocupação de espaços, e é muito, ver Moutinho jogar continua a ser como ler a sebenta de um catedrático. Está lá tudo sobre o tema.
Na ausência do explosivo Pedro Neto, na parte final da recuperação de uma lesão das piores, aplaudo que seja Trincão a opção primeira em cada jogo. Nada contra Adama Traoré, o raro velocista espanhol, tão exuberante nos músculos como nas arrancadas e que se torna depressa no herói de resumos televisivos ou lances recortados para redes sociais. Mas na opção por um ou outro - e o elogio é só técnico-tático, nada nacionalista - Bruno Lage mostra a coerência da sua proposta de jogo. Numa equipa que pretendeu subir a percentagem e qualidade da posse, é fundamental juntar jogadores que se associem, que falem a mesma linguagem, pois é só no campo, e através dos homens, que a melhor ideia adquire identidade. Ou então não consegue, simplesmente. Que, como alguém dizia com graça, “a teoria na prática é outra coisa”. Adama tem sido, mesmo assim, muito útil a Lage, que o lança regularmente nos momentos em que o cansaço acumulado faz o relvado parecer maior e os metros disponíveis são pasto ideal para velocistas puros. E a correr em campo aberto não há outro como ele, no mundo. De início, quando o espaço ainda rareia, avança Trincão, que tem, além dessa capacidade natural para se relacionar com a equipa, qualidade técnica diferenciada, talento natural para superar rivais em curvas apertadas e ainda uma tendência inata de passar bem no último momento.
Quando uma equipa está bem, todos os jogadores parecem melhores, há muito o sabemos. Por isso, na equipa mais portuguesa de além-Mancha, José Sá está seguro e confiante na baliza como não me lembro de o ver, Nelson Semedo surge de volta ao melhor nível e Fábio Silva vai aproveitando melhor cada oportunidade (porque Jimenez não dá muitas) de demonstrar que está bem a tempo de ser (só tem 19 anos!) o que lhe estava destinado: o melhor ponta de lança português da próxima década. Mas na imensa legião lusa dos lobos, onde agora foi acrescentado Toti Gomes, jovem defesa anteriormente saído anónimo do Estoril para a Suiça, falta referir o mais subvalorizado mas que é bem capaz de ser atualmente o mais decisivo e impressionante no rendimento: Daniel Podence. O que ele tem conseguido mostrar só não entusiasma quem analisa um futebolista pela “envergadura” ou “arcaboiço”, essas palavras antigas do léxico da bola. Podence é tanto soluções com bola como compromisso sem ela. Ataca ligando por dentro, defende fechando por fora. E depois é a coragem com que assume o um para um (e sabe quando o deve fazer) seja qual for a quantidade de centímetros do opositor, o que permite que drible limpo com ambos os pés e até nas proximidades da baliza, assiste com qualidade e variedade, finaliza competentemente. Quando se discute, pensando na seleção desde logo, sobre a necessidade de ligar jogo, de aproveitar as entrelinhas, de encontrar soluções por via da criatividade, é definitivamente injusto não colocar Podence entre as melhores opções. O pequeno duende é, aos 26 anos, um jogador de topo como sempre prometeu e a quem assenta como nunca a camisola 10 de uma das melhores equipas da Premier League nos dias que correm."

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