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quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Fatal como o destino


"O divórcio é uma probabilidade quando um dos lados o pretende e torna-se uma fatalidade quando ambos o preferem. O Benfica já não desejava Jesus e Jesus já não era feliz no Benfica. E até para a numerosa família, a encarnada, o casamento era causa perdida, que não se percebiam traços de união, de facto. Aqui chegados, Rui Costa entregou a decisão ao destino: se o treinador saísse vivo de visitas consecutivas ao Dragão poderia levar a tarefa (e o contrato) até ao fim. Ao fim da época – assinale-se – e nunca para lá dele. Jorge Jesus já tinha percebido igualmente que a rutura aconteceria, talvez mais cedo do que mais tarde. Também por isso alimentou a novela Flamengo, porque os clássicos no Porto podiam mesmo antecipar o prazo de tolerância. Além de que não haverá nada mais tentador para quem está infeliz do que voltar aonde se foi feliz a sério. Ninguém quis dar o primeiro passo e por isso acabaram juntos a dar o último. Com honra, até ver, e assinale-se isso, mas sem glória, o que era fatal como o destino.
O problema que agora rebenta nas mãos do novo presidente encarnado tem dois momentos decisivos e uma questão estrutural futebolística. O primeiro momento remonta ao regresso de Jorge Jesus à Luz, num ato de eleitoralismo de Luís Filipe Vieira – que para aguentar como presidente a qualquer custo gastou uns inauditos 100 milhões em contratações – mas que dividia profundamente os benfiquistas. O segundo ocorreu na decisão de manter o técnico após uma época de fracasso total e a despeito do investimento realizado: falhanço na ida à Champions, zero títulos, apenas terceiro na Liga e futebol abaixo de sofrível. A opção foi, então, a da avestruz, com a cabeça enfiada na areia e responsabilização do que era externo, a Covid de agora e os árbitros de sempre. Ou seja, ia insistir-se em repetir a receita. Parece que Einstein nunca terá pronunciado a frase mais isso não lhe retira oportunidade: o cúmulo da insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes.
E assim foi. Mais uma época antecipada pela pré-eliminatória na Liga dos Campeões, mais um arranque forte suportado em índices físicos precocemente adquiridos a alimentar a ilusão, mais um abanão futebolístico e emocional logo à primeira derrota - com o Portimonense como na época anterior com o Boavista – e sempre um futebol inconstante, sem que se percebesse um rumo tático coerente. Descontada a entrada meritória na fase de grupos da Champions, foi quase só mais do mesmo, mesmo num plantel mais amplo e mais jogadores de perfil atlético. Suspeito, ninguém mo disse, que há-de ter sido a única fragilidade descoberta internamente, a de que faltava músculo. E assim se acrescentaram quilos e centímetros, ou então homens de “intensidade e rapidez”: Lázaro, Gil Dias, Radonjic, Meité, Yaremchuk, mais a aposta em Morato e o resgate de Gedson, ao mesmo tempo que jogadores de talento foram despachados ou desvalorizados: Waldschmidt, Pedrinho, Pizzi, Taarabt. Falhou o diagnóstico e, como sempre quando assim é, a terapêutica também.
A equipa viveu numa esquizofrenia tática. Os jogadores que mais criam jogo, desde logo João Mário (como Taarabt) e Weigl mas também Grimaldo, não encontravam quem lhes desse sequência às ideias, ao mesmo tempo que a falta de robustez defensiva continuava a expô-los em excesso numa equipa obcecada em aceleração e, também por isso, incapaz de evitar perdas de bola sucessivas. Contra adversários que assumem risco mas que não exibem grande segurança defensiva – Barcelona, Braga, Marítimo – viu-se o melhor Benfica, num jogo vertiginoso em que Rafa e Darwin se tornam particularmente eficazes. Nos outros jogos ou pouco se viu, contra equipas menores, ou foi o descalabro, como frente a Bayern, Sporting e FC Porto. A equipa foi sempre elementar em termos de processo ofensivo, dependente de iniciativas individuais, e sem que Jorge Jesus conseguisse sequer dotá-la da segurança defensiva que era uma das suas imagens de marca. Agarrado a um reforço inexplicável de marcações individuais, deixou de defender bem com poucos para passar a defender mal com muitos. E assim foi, de ilusão e desilusão até à derrota final, a da Taça, no Dragão. O último jogo de Jesus como treinador do Benfica foi ilustrativo de como a equipa nem era eficaz com bola nem competente com ela. E percebe-se agora, em definitivo, que os jogadores há muito tinham deixado de acreditar no caminho proposto. Ou seja, o destino estava traçado, muito antes de os dirigentes do Flamengo terem chegado a Lisboa, sem embargo de tudo o que aconteceu a seguir."

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