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quarta-feira, 8 de maio de 2019

O autocontrolo também se treina

"Ou somos capazes de controlar as emoções, ou arriscamo-nos a sermos controlados por elas. A máxima, mesmo que não vertida aqui ipsis verbis, na sua essência é esta. E é válida tanto nas curvas do dia-a-dia como nas rectas dos dias de jogo. A obediência ou a indiferença a este princípio pode muito bem ser a linha que separa o sucesso do fracasso.
A incorporação de um psicólogo numa estrutura profissional há muito que deixou de ser um mero capricho para passar a ser olhada como uma necessidade imperativa. Não é apenas a gestão da frustração pós-jogo ou a arrumação dos problemas pessoais na prateleira de cima do armário que está em causa, mas também a atitude perante o contexto competitivo e as adversidades que ele traz.
É tão certo como o destino: os imprevistos vão acontecer, os dissabores vão bater à porta e é preciso estar preparado para lidar com eles. E a primeira razão pela qual urge dominar este jogo de cintura é porque está directamente ligado ao factor rendimento. Individual e, por extensão, colectivo quando se trata do mundo do futebol. Em campo, uma reacção irreflectida é passível de pôr em causa o esforço e o objectivo comuns.
Basta ver o que sucedeu anteontem no Estádio do Bonfim. A um primeiro cartão vermelho mostrado aos sadinos seguiu-se um período de alguma indignação, que culminou com uma atitude pouco ponderada. Numa espécie de reacção em cadeia, essa atitude custou uma segunda expulsão e essa segunda expulsão (alavancada pelo ruído que em torno dela se criou) terá contribuído para o avolumar da tensão e para uma entrada incauta de um terceiro elemento, punida com um segundo cartão amarelo.
Três expulsões em sete minutos são, naturalmente, um sapo difícil de engolir, mas antes de se tentar cuspi-lo a toda a força é bom que se meçam as consequências. Para o jogo em causa, para o seguinte e para o futuro imediato do clube. Até porque a responsabilidade de representar uma instituição (tenha ela o peso histórico que tiver) vai muito para além do cumprimento de horários e da comparência em sessões de autógrafos.
Não menos relevante é o efeito de contágio que se produz, facilmente constatável por esse mundo fora (salvo honrosas excepções). Para aquela franja da multidão que já faz dos estádios uma via de escape ao stress e às frustrações de uma semana de trabalho, confrontar de forma ostensiva a equipa de arbitragem é como um sinal verde para que se avance com manifestações de fúria e irracionalidade. E é esse impacto que têm junto dos adeptos que os agentes do futebol devem também levar em linha de conta nas decisões que tomam.
A dada altura, alguns jogadores do Vitória sentiram-se desrespeitados por decisões do árbitro das quais discordaram? Independentemente do valor das decisões, é um estado de alma legítimo. O que não é aceitável é que a sua falta de autocontrolo exponha a equipa a uma situação de fragilidade agravada, que acabou por custar três pontos no imediato, castigos para a jornada que se segue e eventuais sanções para o clube, depois da invasão de campo de um par de adeptos.
Na mesma linha de raciocínio, é compreensível também o incómodo que sentiu o treinador perante o desenrolar dos acontecimentos, mas já é mais difícil de interiorizar que se tenha indignado quando, na conferência de imprensa, lhe falaram em descontrolo emocional dos jogadores. Um cenário que o próprio rejeitou, mas que foi admitido pelo presidente do clube. Houve descontrolo emocional, sim. E isso não torna os protagonistas em melhores ou piores jogadores, em activos mais ou menos importantes do plantel — vem apenas provar que há uma dimensão da sua preparação que tem de ser melhorada.
E o que é válido para o Vitória é válido para Neymar (que tentou agredir um adepto do Rennes na final da Taça de França), como deveria ter sido válido para Cantona e antes para Maradona, entre muitas outras figuras maiores do futebol. A reacção a quente é um convite para o desastre, sem olhar a alvos ou a razões mais ou menos atendíveis. E a impermeabilidade à provocação (ou a um comportamento que se entende como injusto) um requisito necessário.
Partindo do princípio de que todos, árbitros, jogadores ou treinadores, tentam reduzir os erros ao mínimo no exercício das respectivas funções, é conveniente que a percepção momentânea da injustiça não conduza a reacções intempestivas. Errar é humano? Certamente. Perder pontualmente a cabeça é humano? Sê-lo-á também. Mas é a capacidade de racionalizar e de emendar comportamentos que nos eleva à condição de que gozamos."

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