"Tenho um amigo, suíço, que adora duas coisas na vida: Lisboa e futebol. Nunca lhe perguntei se, exactamente, por esta ordem. A verdade é que nunca achei isso relevante. De Lisboa diz que é a cidade do mundo onde só os portugueses, por vezes, parecem não ser felizes. Ele não entende como seja, isso, possível. Tem sol todos os meses do ano, quando chove mais a notícia vem nas televisões e quando, no País, neva um bocadinho no cocuruto das montanhas mais altas, toda a gente volta a ser criança, deslumbrada com a paisagem e com a oportunidade de atirarem pedacinhos de gelo à cabeça uns dos outros.
O meu amigo suíço diz, também, que o segredo de Portugal não é tanto as praias, as areias douradas, o calorzinho do verão, o peixe fresco, os pratos tradicionais, os pastéis de Belém. Não. Portugal é especial porque tem portugueses. «Que têm os portugueses assim de tão especial?» - atrevi-me a perguntar. E ele, rindo de um gozo que não fere: «Um povo que inaugura uma ponte com uma feijoada colectiva é único, no mundo.»
A verdade é que o meu amigo suíço não precisa de muitos pretextos para se meter num avião e vir a Lisboa, mas, desta vez, tinha uma razão forte: «Quero ver o derby de Lisboa, ao vivo» - disse-me ele.
Este meu amigo suíço é um papa derbies. Vê, muitas vezes, o Real Madrid-Atlético, o Milan-Inter, o Roma-Lazio e vai muitas vezes a Inglaterra ver os grandes jogos dos vizinhos de Liverpool, Manchester e Londres.
Curiosamente, nunca viu um Sporting-Benfica e isso perturbou-me. Pareceu-me, francamente, ser um descuido intolerável num verdadeiro papa derbies. Porém, o meu amigo suíço explicou-me que, infelizmente, o futebol português tem, em Portugal e para os portugueses, a importância que não tem assim que se passa a fronteira, onde é visto como um futebolzinho simpático, mas pequeno. Grande - assinala o meu amigo - só a vossa Selecção, especialmente porque tem Cristiano Ronaldo. Mas também temos o José Mourinho, que é um dos melhores treinadores do mundo, protestei, eu. E tínhamos o Pedro Proença, o melhor árbitro do mundo. O meu amigo interrompeu-me para me dizer, simplesmente: «Lamento, meu caro, mas lá fora ninguém quer saber de árbitros, ninguém conhece os seus nomes, ninguém se preocupa com quem está dentro do campo, mas não joga.») Então, e o Mourinho? E ele: «É uma figura curiosa. Notável e curiosa. Admito que ajude o futebol português a ter uma maior visibilidade na Europa e no Mundo, mas uma coisa é, apesar de tudo, o futebol português e outra, diferente, são os clubes portugueses e o futebol que se joga em Portugal.»
Não disse, mas já deveria ter dito, o meu amigo suíço é casado com uma portuguesa e entende o suficiente da nossa língua para me ter feito esta pergunta: «Li o teu jornal. Mas aquelas declarações daquele presidente (não posso escrever o adjectivo que ele usou) foram mesmo feitas a sério?» Expliquei que as frases foram retiradas do facebook desse presidente, mas que eram genuínas. «Ora aí está alguma coisa ao nível da célebre feijoada para a inauguração de uma ponte» - disse-me, numa risada sem modos.
O meu amigo suíço tem um programa completo para, hoje, ir a Alvalade ver o seu primeiro derby em Lisboa. Vai dar nas vistas, porque deve ser o único que vai aparecer de manga curta, um imenso sorriso permanente e um ar de despreocupação total. É que nada o diverte tanto como um derby, seja ele jogado onde for. Entretanto, vou pensando no que ele ainda me disse: «Como não tenho clube nestes derbies que vou ver, consigo sempre ver o jogo que ninguém vê. E isso, meu amigo, é único.»"
Vìtor Serpa, in A Bola
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