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terça-feira, 17 de junho de 2014

Baía-de-Todos-os-Santos...

"A propósito de Portugal jogar o Campeonato do Mundo no Brasil, memórias de outra aventura brasileira da Selecção Nacional, a Minicopa de 1972 com direito a final no Maracanã.

SALVADOR - No dia em que este exemplar do seu jornal lhe chegar às mãos, dileto leitor, estará a selecção portuguesa no Brasil e este vosso escriba a caminho. Salvador: São Salvador da Baía. Ou da Bahia, com agá, como cantava João Gilberto. Primeiro passo para uma aventura brasileira que Portugal só viveu em 1972, na famosa Minicopa, ou Taça da Independência do Brasil.
Baía-de-Todos-os-Santos e quase todos os pecados, dizem eles... Que pecados nos esperam? Pela primeira vez, a Selecção Nacional joga nesta cidade, abrindo o seu Mundial contra a «imperial Alemanha» do Dr. Topsius, essa inesquecível personagem de «A Relíquia».
Jogou ao longo da história em várias outras. Mas é a Minicopa que quero aqui recordar, por isso dêem-me a vossa licença.
A Confederação Brasileira de Desportos não deixara a coisa por menos: os 150 anos da Independência seriam motivo para a disputa de uma competição que pouco ficava a dever a um verdadeiro Campeonato do Mundo. Vinte selecções nacionais e continentais disputariam, em 12 estádios, um troféu majestoso: 11 quilos em ouro e pedras preciosas (diamantes, pérolas, esmeraldas e rubis), com 45 centímetros de altura e desenhos recortados a esmalte azul.
Quinze equipas - Argentina, Selecção de África, França, Selecção da América Central, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Irlanda, Venezuela, Chile, Irão, Jugoslávia e Portugal - seriam distribuídas por três grupos; outras cinco - Brasil, Uruguai, URSS, Checoslováquia e Escócia - ficariam isentas da primeira fase. Em seguida, formavam-se dois grupos de quatro equipas que decidiam o acesso à final em sistema de «poule». Portugal começou por ficar no Grupo II, juntamente com Equador, Irlanda, Irão e Chile.
Primeiro jogo em Natal, no dia 11 de Junho de 1972, cumpriram-se agora quarenta anos. Estádio do Lagoão, 3-0 ao Equador, com golos de Eusébio, Dinis e Nené.
O seleccionador era José Augusto, o nosso amigo José Augusto.
Em seguida, Portugal mudou-se para o Recife. Mudou-se a equipa, mas não mudou o futebol bonito, goleador. No Estádio Arruda, de Santa Cruz, mais três jogos e mais três vitórias: a 14 de Junho, novo 3-0, agora ao Irão, com golos de Eusébio, Dinis e Humberto Coelho; a 18, 4-1 ao Chile, com golos de Humberto Coelho, Angulo (na própria baliza), Dinis e Eusébio; finalmente, a 25, 2-1 à Irlanda, com golos de Peres e Nené.

Humilhando a Argentina...
Primeira fase superada com uma perna às costas.
Na segunda fase, a coisa piava mais fino. Os adversários eram fortes: Argentina, URSS e Uruguai.
No Rio de Janeiro, no mesmo Maracanã onde, na véspera, o favoritíssimo Brasil empatara com a Chescolováquia (0-0) e deixara evidente a dificuldade de substituir Pelé, que abandonara de vez a «canarinha», a resposta lusitana foi extraordinária.
Há quem diga que a vitória sobre os argentinos foi uma das mais brilhantes da história da selecção nacional. É bem possível. Porque a Argentina era, de facto, um conjunto muito forte que procurara recuperar da ausência do Mundial de 1970 (fora eliminada pelo Peru de Teofilio Cubillas) e contava com figuras como Heredia, Pastoriza, Octavio Bianchi e Brindisi. Cuidadosamente preparada e mentalizada para a Minicopa - é fácil perceber o que significaria para os argentinos vencerem o torneio no terreno dos seus rivais brasileiros -, a Argentina foi, todavia, completamente vulgarizada pela velocidade e jogo de conjunto dos portugueses.
O domínio lusitano foi tão intenso, a sua superioridade tão esmagadora, o nível da sua exibição tão fora do comum, que os mais de 30.000 espectadores que se tinham deslocado ao Estádio Mário Filho entraram em delírio.
Adolfo, Eusébio e Dinis fizeram os três golos de Portugal; Brindisi o da Argentina: 3-1.
No jornal «O Globo», o famoso jornalista João Saldanha, que chegara a ser seleccionador nacional antes de Zagallo, escrevia: «Há muito tempo que não vejo um time jogar tão bem. Nenhumas falhas. Se caprichassem um pouquinho, eram cinco ou seis. Toni tem uma raça impressionante; Eusébio é calma personificada; os laterais, perfeitos; Peres deu aula; Jordão fez miséria. A Argentina é um bom time, mas Portugal, ontem, não perdia para ninguém».
Seguia-se o Uruguai. Portugal repete a exibição feita face aos argentinos, mas não consegue repetir o resultado. O seu futebol foi igualmente imaginoso e fluente, mas o golo de Pavoni, marcado aos 20 minutos, e a dureza, às vezes transformada em pura violência, dos sul americanos, obrigou a Selecção Nacional e menos toques de bola, menos fintas e menos tabelinhas, recorrendo a mais cruzamentos, mais arrancadas e mais explosões. Jaime Graça empatou em cima do intervalo, e toda a segunda parte foi de domínio português e de intenso sofrimento para o guarda-redes Carrasco. Mas o 1-1, não se alterou e a conjugação dos resultados (a URSS ganhara ao Uruguai e perdera com a Argentina) permitia agora a Portugal um simples empate com os russos, desde que os argentinos não vencessem os uruguaios por mais de três golos de diferença, para chegar à tão ambicionada final.
Em Belo Horizonte, no dia 6 de Julho, o jogo foi pobre e a vitória magra (1-0, golo de Jordão). O estilo combativo de Simeonov, Viktor, Vasenin, Kuksov e Bishovets serviu para controlar a fantasia de Jaime Graça, Peres, Jordão, Dinis e Eusébio que, além disso, se viu atingido com tal agressividade que ficou com o osso da canela à mostra e em dúvida para a tal final tão sonhada com o Brasil, que se apurara entretanto vencendo a Jugoslávia (3-0).

Sonhos que nascem e morrem...
Na grande final do Maracanã, no dia 10 de Julho de 1972, ao contrário do que seria de supor, foram os portugueses a fazer as despesas do futebol de ataque e os brasileiros a oporem-lhes uma toada de contra-golpe. Por uma, duas vezes, Portugal ameaça o golo: Jordão remata ao poste; Eusébio tem uma arrancada sensacional, passando por diversos adversários, arrancado «ohs!» de admiração a um público encantado, mas perde a oportunidade de remate por fracções de segundo.
Os contra-ataques «canarinhos» são venenosos, mas Humberto Coelho está intratável e imperial. Caminha-se para o final do encontro, tudo parece indicar que teremos um prolongamento. Mas, precisamente no último minuto, uma falta desnecessária de Adolfo sobre Jairzinho dá a Tostão a possibilidade de meter, com um dos seus pés mágicos, a bola na cabeça de Jairzinho. É o golo e a vitória do Brasil. José Henrique queixa-se de que Jairzinho tocou a bola com o braço. O israelita Klein não lhe dá ouvidos e apita para o final.
O sonho morreu.
Virão outros sonhos. Talvez com Maracanã também.
Desta vez é tempo de Baía: «Baía dos sonhos mil!»"

Afonso de Melo, in O Benfica

PS: Se o Afonso tivesse que esrever a crónica hoje, teria pelo menos terminado de maneira diferente: «Baía de pesadelos mil!»!!!
Aqui deixo o jogo completo da Final no Maracanã, da Minicopa de 1972. Com 10 Benfiquistas de início...


Aqui ficam alguns resumos, dos outros jogos:

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