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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O Homem, o Futebol e a Ilusão


"Talvez o futebol e outras modalidades tomadas por indústrias económicas maduras, devessem alocar a causas promovidas pela ONU, uma percentagem da sua movimentação financeira.

O futebol é uma forma, um meio, talvez o mais expressivo, das pessoas mostrarem o quanto precisam de se identificar com algo. Uma identificação que me parece um escape, uma fuga ao medo da inutilidade.
Ser deste ou daquele clube parece dar um sentido à vida. Por isso os pobres continuam a vibrar com os que ganham milhões. A pessoa pobre materialmente tem no futebol milionário uma vibração única e viciante. Vibra com profissionais que têm salários astronómicos, em muitos casos obscenos, mas que nada lhe importa na hora da vibração do ego.
A pessoa vulnerável apoia fervorosamente uma indústria sólida, milionária, cheia de negócios e interesses complexos, muitas vezes feridos de licitude. Que importa se o meu clube ganha.
O mundo do futebol movimenta milhões, quer em países ricos quer em países menos ricos, quer em países desenvolvidos quer em países em desenvolvimento, e, ainda assim, a pobreza não desaparece.
O futebol é uma indústria de milhões, de egos exacerbados, de ganância e arrogância, de extravagâncias sem senso comum, dotada de um sentido que não resolve a pobreza mundial e ainda confere à mente humana um sentido ilusório de vida prazerosa.
Referi-me aos pobres materialmente, mas quando vejo pessoas a discutir fervorosamente um resultado do seu clube, uma falta num momento do jogo, uma decisão do árbitro, colocando em causa a relação humana entre iguais, por clubismo, creio que encontro os verdadeiros pobres.
São esses os pobres de espírito e alma, os pobres de valores morais e humanos, deficitários em sensibilidade, que por causa do clube do qual nem sequer escolheu ser, ficam cegos de raiva ou vaidade. Perdem o equilíbrio e a lógica da igualdade. Discutem como se a sua identidade se perdesse com a perda da razão clubística.
As crianças nascem, e ainda sem perceber que atmosfera é esta que lhe dá a vida, já são sócios ou simpatizantes de um clube. Normalmente do clube do pai para que este satisfaça o seu ego, o seu narcisismo, e garanta estupidamente a sua descendência. E a criança dirá um dia – sou deste clube porque o meu pai já era. E pronto, isso dá um sentido à coisa.
Este é um dos maiores condicionalismos do Homem. Ser algo que não escolheu ser e que poderia ter escolhido, e do qual ficará refém toda a vida. Uns dizem que é como uma religião e, em ambos os casos, creio que são formas de tratar os humanos como “manadas a alinhar”.
A dimensão religiosa e futebolística não evita guerras, nem assédios, nem negócios ilícitos, e até mostram que o Homem foge ao pensar pela própria cabeça. Alista-se numa tendência e defende-a como se tivesse sido uma opção sua. O Homem aliena a capacidade para pensar e para decidir porque, desafortunadamente, foi condicionado na infância, no início da vida.
Tive momentos em que senti uma espécie de medo se deixasse de seguir o catolicismo ou o sportinguismo, porque geraria um vazio na vida, uma perda de identidade ou motivação no quotidiano.
Na verdade, ao livrar-me dessa dependência de vida, isto é, ao deixar de viver a pensar na recompensa de Deus na hora da morte ou em viver os dias a pensar no próximo jogo do Sporting, fez-me ver outras coisas. Na verdade, apenas isso – ver as mesmas coisas de outra forma.
Por último, um desejo.
Deveria haver o desígnio humanitário mundial – “erradicar a pobreza no mundo”.
Aí, talvez, o futebol e outras modalidades tomadas por indústrias económicas maduras, devessem alocar a causas promovidas pela ONU, uma percentagem da sua movimentação financeira. A riqueza mundial está num desequilíbrio exasperante."

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