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terça-feira, 10 de outubro de 2023

‘Solo le pido a Díos que Bochini juegue para siempre…’


"Roberto Bochini foi tão grande que até Diego Maradona o tratava por Maestro…

Ninguém imagina a história de Buenos Aires sem tango nem a história do Independiente sem Ricardo Enrique Bochini. Foram dezanove anos consecutivos e nunca Ricardo vestiu outra camisola.
«Solo le pido a Dios
Que el dolor no me sea indiferente
Que la reseca muerte no me encuentre
Vacía y sola sin haber hecho lo suficiente», cantava León Gieco.
«Sólo le pido a Dios
Que Bochini juegue para siempre
Siempre para Independiente
Para toda la alegría de la gente», cantavam os hinchas do Independiente. No Campeonato do Mundo de 1986, no México, aquele em que Maradona resolveu defrontar Deus e ganhou, Bochini entrou a seis minutos do fim da meia-final frente à Bélgica. E então Diego disse-lhe: «Pase, Maestro, lo estábamos esperando…». E ele, modesto, sem querer reconhecer o gesto magnífico de Maradona: «Disse-me algo ao ouvido, mas não sei ao certo o quê… Não me lembro. Não teve importância…». Ricardo era assim. Erguia-se sobre os companheiros como um Ícaro de asas de cera mas nunca teve o desplante de querer tapar o sol.
Há tanta música em Buenos Aires. No futebol também. Avellaneda, cidade do Independiente, não é bem Buenos Aires, mas fica lá tão perto. Buenos Aires é uma boa cidade para se morrer, como escreveu Piazzola e cantou Amelita Baltar com a sua voz lavada a whisky:
«Morire en Buenos Aires
Sera de madrugada
Guardare, mansamente, las cosas de vivir
Mi pequeña poesia de adioses y de balas
Mi tabaco, mi tango, mi puñado de splin».
No dia 5 de maio de 1991, num jogo sem importância nenhuma contra os Estudiantes de La Plata, Bochini foi caçado a patadas com a ferocidade com que se persegue uma ratazana. Um mamífero de raça indefinida chamado Pablo Erbín enfiou-lhe os pitons da bota no calcanhar direito e destroçou-lhe os ligamentos. Nunca mais Roberto voltaria a jogar. A turba ululava numa espécie de mistura entre raiva e desespero: «Bo-chi-ni! Bo-chi-ni! Bo-chi-ni!».
Fora do campo, Bocha, com também lhe chamavam, foi sempre um indivíduo misterioso. Nunca se soube nada sobre a sua vida privada. Não gostava de dar entrevistas. Não emitia opiniões. Ninguém sabia se gostava do Papa, se era contra a morte assistida ou a favor da interrupção voluntária da gravidez, ou se, nem que por instantes, ficou encantado por Evita, a rainha dos descamisados. Constava-se que, nos finais dos anos 60, uma vedeta dos musicais, mulher fatalíssima, lhe matara todos os sonhos. A relação romântica que exibia em frente de toda a gente era com a bola. Em 1976, durante uns meses, surpreendeu toda a Argentina abandonando o futebol. Refugiou-se em Zarate, a terra onde nasceu, e fechou-se em casa da família. Ou melhor: fechou-se sobre si mesmo.
De um dia para o outro voltou sem explicações, tal como tinha partido. «No pasó nada. Estaba mal anímicamente, y físicamente muy agotado», foi a sua frase mais drástica. Inventaram que tinha um cancro, que estava acabado de vez, que não voltaria s ser Bochini. Mas o povo estava com ele. Levou-o aos ombros até ao lugar que lhe pertencia, líder da equipa que contra o poder de Córdoba, uma das cidades que veio a receber o_Mundial de 1978, queria fazer do seu clube, o Talleres, campeão nacional. O jogo decisivo foi terrível, digno de uma cena de ciúme entre Otelo e Desdémona. Na segunda mão, em Córdoba, o Independiente precisava de ultrapassar o empate de 1-1 em Avellaneda mas o arbitro, Barreiro, fez tudo o que pôde para que o Talleres ganhasse, até mesmo validar um golo escandalosamente marcado com a mão pelo avançado Bocanelli. O capitão do Independiente, Rubén Galván, deu-lhe uma peitada macha: «Tengo dos hijos y esto me da vergüenza. Écheme!». Barreiro fez-lhe a vontade à conta de um cartão vermelho. Bochini fervia de injustiça. Pastoriza, o treinador, chamou-o e colocou-lhe a mão no ombro: «Tranquilo, Bocha, tranquilo…». Vida difícil. 2-1 para o Talleres e mais dois jogadores do Independiente expulsos. 11 contra 8.
«Ladrones, ladrones
Así salen campeones», gritava-se do lado dos vermelhos. Aí Bochini resolveu valer por todos. Aos 84 minutos, a passe de Daniel Bertoni chutou com tanta violência que a bola bateu na barra, rechaçou no solo e voltou a subir desta vez para acertar nas redes superiores da baliza adversária. «Fue el gol que más grité en toda mi vida!», desabafou no fim. Uma loucura invadiu a zona das bancadas onde se amontoavam os adeptos do Independiente:
«Eh, chupe, chupe, chupe
No deje de chupar
El Bocha es lo más grande
del fútbol nacional!».
Podia não ser um tango, mas também não deixava de ser um grito de liberdade."

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