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domingo, 14 de maio de 2023

Efab⚽lação (28) O verdadeiro benfiquista


"Há um debate em crescendo que mede a força do benfiquismo pela bitola da verdade, uma dimensão metafísica onde não entra qualquer um sem antes ultrapassar os limites da insanidade nos testes à paixão.
“Verdadeiro Benfiquista” é já uma categoria patenteada quer nas redes sociais, onde se medem tamanhos, quer em canecas, t-shirts, flyers, bonés e cachecóis, que distinguem a classe dos legitimados da dos meros aspirantes, outrora “simpatizantes”.
Hoje, Rui Costa, o jogador-presidente, é o comandante desse estado maior em que se acotovelam os pretendentes ao reconhecimento. Começou como apanha-bolas como aqueles serventes de pedreiro que chegam a construtores de arranha-céus e senta-se agora no trono dos deuses encarnados, tentando viver como dirigente o que perdeu como jogador.
À beira de conquistar o seu primeiro titulo ao fim de quase quatro anos de fastio, Rui Costa tem-se destacado pela recuperação de figuras desportivas do clube, talvez o maior rasgo da sua gestão ultraconservadora, a par da escolha cirúrgica do treinador Roger Schmidt. Ele desenvolveu, com sabedoria empírica, o padrão métrico que diferencia os “verdadeiros” dos outros, com o mesmo rigor taxativo com que me disse uma vez “você não é do Benfica!”
Na tribuna da Luz, por onde há pouco tempo circulavam ministros, juizes, amanuenses e outras figurinhas e figurões, vemos hoje os cabelos brancos e o sereno orgulho dos ídolos de outras décadas, segundo o princípio da gratidão pelo que fizeram pelo clube e não do interesse pelo que o clube pode fazer por eles. A demanda pelo “verdadeiro benfiquismo”, visceral e acrítico, está latente na entrevista a A Bola de ontem de António Pacheco, um dos “traidores” do verão quente de 1993 que marcou a derrocada de quarenta anos de hegemonia, na qual se queixa amargurado pelo anátema de ter saído do clube, sentindo injustiça na comparação com tantos outros que foram e voltaram, depois dele, como o próprio Rui Costa.
“Não há um dia que não me apareça alguém a lembrar a minha decisão de trocar o Benfica pelo Sporting”, diz Pacheco, para quem essa teria sido uma mera decisão profissional tão legítima como a de quem trocou o histórico clube mundial pela modesta Fiorentina. Apesar da indulgência do atual presidente e antigo colega de balneário, o algarvio que se consola com os esporádicos convites para a Luz nunca será um “verdadeiro benfiquista” aos olhos dos que, neste louco ensaio sobre a cegueira vermelha, vêem Rui Costa como o paradigma dos seis milhões. Pacheco não mereceu o regresso a tempo de uma reforma dourada que transformou o príncipe de Luís Filipe Vieira, esse falso benfiquista, num herdeiro predestinado da arte mágica de tocar virtualmente com o seu mítico bordão no ombro dos que merecem passar de adeptos anónimos a insignes cavaleiros da ordem SLB.
Uma enorme diferença, uma soberba transformação, uma fantástica ilusão! Mas o que distinguiu o verdadeiro benfiquismo deste insano revivalismo existencial dos nossos dias foram os anos em que o desvario dos dirigentes e o acórdão Bosman ditaram a incapacidade de o Benfica continuar a reter os melhores jogadores nos seus melhores anos, o real segredo da mística de “verdade”, dos Eusébios e Simões, dos Tonis e Nenés - porque não há Terceiro Anel em Florença, nem em Milão, nem em Barcelona, nem em Manchester.
É este o “verdadeiro” desafio que se coloca ao líder benfiquista, o de transformar uma conjuntura favorável numa estrutura estável: manter no plantel os jogadores que fazem a diferença, desportiva e emocional, com a mesma convicção e espírito identitário com que vai preenchendo, magnânimo até para os Pachecos arrependidos, as poltronas da sua corte."

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