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sábado, 13 de fevereiro de 2021

“O Preud'homme punha tabaco entre os dentes e o lábio. Experimentei: ardeu-me, cuspi, fiquei branco. E ganhei um lugar à mesa do João Pinto”


"José Sousa sonhou ser economista e garante que nunca sentiu paixão clubística ou amor a camisola, e admite que nunca gostou de ser lateral-direito. O que ele gostava era de ser guarda-redes, como o seu ídolo belga, e depois avançado, onde chegou a jogar antes de chegar a senior. Nesta entrevista, este exímio contador de histórias conta como engendrou várias partidas - aquelas em que deixou sujas as mãos de Marinho Peres, ou provocou uma alergia a Cândido Costa - e como anotou num livrinho todas as calinadas de Jorge Jesus, um treinador com o qual não se deu particularmente bem

Nasceu em São João da Madeira. Filho e irmão de quem?
Filho de Carlos Alberto Gomes de Sousa, também jogador de futebol, mas que infelizmente não conseguiu fazer carreira porque partiu a perna aos 20 anos.

O seu pai jogou onde?
Na Sanjoanense. Quando partiu a perna, enveredou pelos estudos e foi contabilista a vida toda, ao contrário do irmão, o meu tio António Sousa, que foi campeão europeu no FC Porto. É uma família ligada ao futebol, o meu primo Ricardo Sousa também jogou e o meu primo em segundo grau, o Afonso, joga futebol. O meu irmão mais velho, Luís Sousa, também jogou futebol na Sanjoanense, depois foi estudar para Coimbra e jogou na Académica durante alguns anos. Ainda tenho uma irmã, a Joana, que é mais nova, eu sou o irmão do meio.

Só falta sabermos da sua mãe.
A minha mãe, Dora da Silva, tomava conta de nós e ajudava o meu pai na fábrica de sapatos que o meu pai tinha na altura. Uma vida tranquila, felizmente.

Cresceu em S. João da Madeira?
Sim, até aos meus 15 anos, altura em que vim para Lisboa. Até lá vivi a infância no norte, a brincar na rua, a jogar futebol de rua. Sempre tive uma ligação muito mais forte ao lado materno, do que ao paterno, apesar de ter uma aproximação grande com o Ricardo, que é meu primo direto e que hoje está a treinar o Beira Mar. Temos um ano de diferença, jogamos juntos e tivemos os dois uma carreira profissional. Joguei com o Ricardo. Eu era um ano mais velho, mas encontramo-nos nos infantis, nos iniciados, juvenis, havia um ano em que nos encontrávamos sempre.

Quando lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, respondia logo futebolista?
Não. Eu queria ser economista. Nunca disse “quero ser jogador profissional de futebol”, nunca foi o meu sonho.

Porquê economista, tem ideia?
Não sei, achava que ia resolver os problemas do país, enfim, pensei que um dia iria chegar ao lugar do António Costa [risos], mas nunca cheguei. Entrei na Universidade do Minho, ainda frequentei o primeiro ano de Economia, mas depois não dava, já jogava futebol profissional, era praticamente impossível estudar. Mas tinha esse sonho de miúdo, ser economista, nunca jogador profissional de futebol.

Torcia por algum clube em criança?
Torci pelo Benfica quando era pequenino, depois como o meu irmão era do FC Porto, eu torci pelo FC Porto e o meu pai era sportinguista, portanto, verdadeiramente nunca tive uma paixão clubística, nunca tive. Aliás, o único clube de que fui sócio, foi do Belenenses. Foi o falecido presidente Cabral Ferreira que me fez sócio. Do Benfica fui um sócio atleta, não conta, não é? Nunca tive uma verdadeira paixão, apesar do meu tio ter sido campeão europeu no FC Porto, em 1987. O meu irmão sim, é doente do Futebol Clube do Porto, gostava e revia essa final. Eu acho que comecei a ter algum gosto pelo futebol nessa altura, com 10 anos, foi aí que comecei a dar mais atenção ao futebol porque via o meu tio, via o meu irmão, mas nunca tive aquela paixão, nunca.

Então como e por que razão começou a jogar futebol?
Por um simples motivo, tinha asma quando era miúdo. O médico disse que era fundamental praticar algum desporto e eu disse: “OK, vou para a natação”. E ia para a natação, mas como os meus pais viam-me a jogar à bola perguntaram-me “Então andas a jogar à bola e vais para a natação?”. Eu gostava de jogar à bola, mas na rua, na escola, nunca pensei em jogar a sério. Mas o meu pai pediu ao treinador da AD Sanjoanense para eu ir fazer um treino à experiência e no fim ele foi ter com o meu pai: “O teu filho nem precisa de treinar mais, fica cá de caras". Foi assim que comecei a jogar futebol, com 12 anos, porque tinha asma e tinha de praticar desporto. Mas nunca tive o sonho ou a paixão pelo futebol, fui jogar porque tinha asma.

Era um miúdo pacato?
Era reguila, era horrível. Na escala primária a minha professora sentava-me na carteira dela [risos]. Era super educado, mas passava a vida a olhar para trás e a fazer brincadeiras para a sala toda. No meio de tudo conseguia ser um excelente aluno, só que desestabilizava uma turma inteira. Uma vez a professora estava à conversa com outra professora à entrada da sala de aula e de repente quando ela entra, eu sou surpreendido a saltar do quadro que tinha aquela barrinha para por o giz e o apagador, fui apanhado a pôr o pé aí para ver se chegava mais alto. Marcávamos com o giz no quadro [risos]. Claro que levei umas 20 ou 30 reguadas, sentei-me ao lado dela e fiquei os quatro anos da primária ao lado dela, foi surreal [risos].

Quando começou a jogar, sentiu logo que o seu futuro passava pelo futebol?
Não. Entusiasmei-me sim, porque eu era muito rápido e o treinador pôs-me como avançado. Era o Zequinha na altura, um brasileiro, uma pessoa incrível, fantástica, não podia ter tido melhor primeiro treinador. O gosto de jogar que ele incutia nos miúdos, de disfrutar do jogo, de divertir. Fiz uma época extraordinária, marquei 50 ou 60 golos, correu lindamente e comecei a ganhar gosto por jogar, nunca por ser profissional de futebol. Eu gostava do que fazia, ponto. Era isso que me levava a ir aos treinos, adorava vestir os calções, a t-shirt, calçar as chuteiras e ir para dentro do campo correr e divertir-me; no fundo era a extensão da escola ou do futebol da rua.

Não demora muito tempo até ir parar ao Benfica, como é que isso acontece?
Demorou alguns aninhos. Nos infantis correu bem, nos iniciados também, no 2º ano de iniciados sou chamado à equipa de juvenis, onde faço a fase final dos juvenis. Ou seja, subi um pouco de escalão porque era rápido. Não era muito grande, nem forte, mas era rápido e fazia muitos golos, de pé esquerdo, pé direito. Joguei o torneio Lopes da Silva, um torneio entre associações, sou o melhor marcador e claro que a partir daí tive alguma notoriedade.

Recebeu convites de outros clubes?
Alguns clubes começaram a olhar para mim, nomeadamente o Futebol Clube do Porto e o Benfica. No 1º ano de juvenil, continuo a fazer uma boa época e é quando sou chamado à seleção nacional de Sub-15. Os meus pais começaram a ser abordados por parte de agentes do FC Porto e do Benfica. O falecido senhor Peres Bandeira, do Benfica, foi ele que me viu no Lopes da Silva e que imediatamente ligou aos meus pais. Eu dizia aos meus pais que não queria ir para 300 quilómetros de distância de casa. Acabou por ser uma decisão difícil mas comecei a perceber que se calhar podia dar o passo seguinte na minha carreira.

Não queria ir para o Benfica?
Não, estava um pouco reticente, até que fui ver as condições de um clube e do outro, ou seja, do FC Porto e do Benfica, e acabei e acabei por optar por Lisboa.

Porquê?
Porque gostei do que vi, e aquilo que vi foi um centro de estágio debaixo das bancadas, como eram todos na altura, mas que tinha quartos de dois apenas. As condições eram boas, tinha duas senhoras que tratavam da limpeza dos quartos todos os dias, três senhoras que estavam na cozinha, era quase como se fosse família; havia um senhor que abria e fechava a porta, ou seja, senti que havia ali um controle grande. Eu estudava, era muito bom aluno, e tínhamos uma assistente social, lavandaria… Tomei uma decisão muito madura para a minha idade ao pensar que condições é que poderiam ser melhores para mim, para poder jogar e estudar. Tinha 15 anos, ia fazer 16, em outubro.

O que sentiu quando se viu pela primeira vez sozinho, sem pais e irmãos, como foi esse impacto?
Esse baque foi um daqueles momentos que nunca me vai sair da memória, lembro-me como se fosse hoje. O meu pai tinha um Peugeot enorme e viemos todos. Deixarem-me aqui em Lisboa, a instalar tudo e depois foram-se embora. A minha mãe chorou baba e ranho até chegar ao norte, acho que foram umas quatro horas de viagem pela nacional. Eu não, engoli em seco quando eles foram embora, e de repente “Uau, estou sozinho”. Se há coisa que sempre valorizei, assim como os meus pais e os meus irmãos, é o aspeto familiar. Aliás, ainda hoje, com 43 anos de idade, praticamente todos os dias falo com os meus pais, foi um hábito que criei desde que saí de casa. Com 15 anos todos os dias ia à cabine telefónica colocar as moedas e ligar aos meus pais.

Nunca lhe passou pela cabeça desistir e regressar a casa?
Claro que passou, é óbvio, quando comecei a treinar diariamente e a sentir muitas dificuldades. Sim, porque eu tinha asma, como disse, e senti muitas dificuldades, não estava a conseguir acompanhar o ritmo elevadíssimo, cheguei a sentir-me mal. Ligava para casa a dizer que não me estava a sentir bem. Para os meus pais ouvir isto não foi fácil. Mas a educação que me deram foi rija e fantástica, acho que me preparou bem. O meu pai na altura disse: "Foi uma escolha tua. Nós permitimos que com 15 anos tomasses essa decisão, não interferimos"; o meu irmão intercedeu junto dos meus pais para me deixarem vir porque eles não queriam. O meu irmão tinha saído de casa com 17 anos para ir estudar para Coimbra e inicialmente eles disseram-me "O teu irmão só saiu com 17, tu também só sais com 17", era uma questão de igualdade. Mas o meu irmão intercedeu junto do meu pai, foi incrível nesse capítulo, e os meus pais então disseram que ficava à minha escolha. Por isso, quando eu disse "Pai eu não consigo, eu não consigo", o meu pai só disse assim: "OK, não consegues, mas pelo menos este ano ficas aí, porque foi a tua decisão e vais acartar com as consequências". Foi uma aprendizagem.

Qual foi o momento mais duro, recorda-se?
Deixe-me só acrescentar isto. O meu pai foi duro por um lado, mas depois ligou a um amigo de longa data, que também é de São João da Madeira, o António Veloso. Ou seja, ele disse-me aquilo e imediatamente procurou uma forma de me ajudar, para que conseguisse vingar. Então depois, a Teresa, a ex-mulher do António Veloso, ainda nesse dia, ou no dia a seguir, veio ao centro de estágio: "Olá, eu sou a Teresa, sou a mulher do Veloso, o teu pai falou com ele e eu vou ajudar-te". E pronto, a partir daí levou-me a uma médica naturopata/homeopata, a Maria do Céu, uma pessoa que acompanhou a minha carreira toda do ponto de vista da saúde e acabei por fazer um tratamento gigante com a Maria do Céu durante sete meses, um ano e é quando dou um salto de quase seis, sete centímetros de altura, dou um salto de peso, dos 70 passei para os quase 80Kg. Foi um pulo enorme, a asma desapareceu por completo até hoje.

No clube sabiam naturalmente do seu problema de asma.
Tive um treinador, o professor Arnaldo Cunha, que foi uma pessoa incrível na minha carreira. A Teresa chamou o Arnaldo Cunha, disse-lhe que eu precisava de algum tempo e ele "Ok, concordo plenamente, o Zé tem todas as condições, mas fisicamente não está preparado para isto, eu vou falar com os responsáveis da natação e também vou colocar o Zé na natação". O próprio Arnaldo Cunha entendeu que devia ser feito um programa para que eu pudesse melhorar. E disse: "Estou a contar com o Zé apenas para segunda e terceira fase. Esta primeira fase faço de conta que ele não está cá. Vamos trabalhá-lo apenas". É preciso encontrar as pessoas certas, no momento certo, e eu tive isso. Foi o Veloso, a Teresa, o professor Arnaldo Cunha, claro que outras pessoas no meio de tudo isto, que acabaram por ser marcantes na vida. Terminei essa época e acabei por ser dos melhores marcadores de juvenis. Fui para os juniores, mas foi um ano de grande dificuldade, muita dificuldade mesmo.

Que mais dificuldades sentiu?
Foi tudo, adaptação, escola, sentir que o meu colega de quarto, o Paulo Lopes que também foi guarda-redes do Benfica muitos anos, ficava na cama a dormir enquanto eu tinha de me levantar. O Paulo e a escola não se entendiam lá muito bem, apesar de ele ir de vez em quando, e eu com chuva, com frio, levantava-me sempre e ia para a escola. Os outros, quase todos ficavam a dormir. Acabou por ser uma decisão minha também, terminar o 12º ano e ingressar na faculdade mais tarde. Era algo que os meus pais queriam que eu fizesse e eu fiz.

Fez os juniores com quem?
Fiz o 1º ano de juniores com o mister Nené, onde era avançado extremo.

Gostou dele como treinador?
Sim, e ele gostava de mim por aquilo que era a minha velocidade, a capacidade de entrega ao jogo, gostava das minhas características. No ano seguinte o Nené passa a coordenador e o treinador é o mister José Augusto. Foi outro momento marcante na minha carreira porque eu estava para ser dispensado do Benfica no último ano de juniores.

Porquê?
Porque o mister José Augusto entendia que eu não tinha condições, sendo um atleta vindo de fora, estando no centro de estágio, era um jogador que poderia ser dispensado. Tive a informação de que isso iria acontecer, e claro o desespero começa a funcionar, ou seja, eu não quero ir embora, e num jogo em Alverca, acontece um episódio muito curioso e bastante engraçado, tudo mudou com esse episódio da minha vida.

Que foi?
Eu jogava a avançado, chovia muito em Alverca e eu corria por todo lado, esquerda, direita e o José Augusto: "Eu quero que tu jogues ali". E eu: "Mas eu tenho de jogar, tenho de fazer golos, tenho de mostrar que tenho qualidade". Entretanto o defesa direito lesionou-se e o José Augusto virou-se para mim e disse "Queres tocar na bola, queres jogar muito? Então vais para defesa direito". E de avançado fui para defesa direito, assim, do nada. É claro que me pus a subir que nem um maluco porque aquilo que eu gostava era de jogar na frente, então subia e descia, que nem um maluco. Estamos a perder 1-0, eu faço o cruzamento para o 1-1 e ainda marco o 2-1. O José Augusto no final vira-se para mim e diz-me: "Tu como avançado, comigo, não tens hipóteses aqui no Benfica, é para dispensar. Se tu quiseres ser defesa direito, comigo, vais ser titular e mais, um dia ainda vais ser defesa direito titular do Benfica”. Eu só respondi: "É onde você quiser, eu quero é jogar nesta equipa”. E fiquei a defesa direito. Portanto, eu passei de avançado extremo durante uma vida inteira de formação, inclusive internacional, para defesa direito. Fiz uma época fantástica nesse ano, como defesa direito. Fiz golos, foi mesmo muito boa.

Entretanto subiu a sénior.
Exatamente, subi a sénior e faço contrato profissional pelo Benfica.

É a primeira vez que ganha dinheiro com o futebol?
Não, eu ganhava mas era pouquinho. Em juvenis e iniciados tínhamos um subsídio. Mas tinha tudo pago, escola, transportes públicos, lavandaria, comida, tudo pago. O que recebíamos de subsídio era para ir ao café, para comprar roupa, o que fosse.

Lembra-se do valor desse subsídio?
Acho que eram 20 contos (100 €).

Havia alguma coisa que quisesse muito comprar?
Uma televisão [risos] para ter no quarto. Paguei a prestações porque a televisão era 50 contos (250€) e a Teresa é que comprou o televisor e depois eu paguei a prestações.

Foi emprestado ao Alverca, o clube satélite do Benfica, que estava na II Liga. Ficou chateado quando percebeu que não ficava na equipa principal?
Não, porque nunca sonhei subir à equipa principal. Apesar de estar no Benfica o que eu mantinha era o gosto por jogar futebol, mas no patamar acima, e o querer estudar. Eu não tinha o sonho de ser um jogador profissional de futebol, não tinha aquela ambição, aquele sonho como tantos miúdos têm hoje de “Eu quero ser o Cristiano Ronaldo”. Nunca tive isso, nunca, nunca. Eu vivia o dia a dia, sinceramente. Até que assino contrato profissional de dois anos e penso assim: “Bem, vamos ver o que é que isto vai dar”. Fui feliz da minha vidinha para o Alverca.

Continuou a viver no centro de estágio?
Não, passei para ao lado do centro de estágio, onde havia dois, três quartos. Só no ano seguinte é que passei para um apartamento que o Benfica tinha, na Rua dos Soeiros. O Benfica tinha imensos apartamentos onde moravam inclusive jogadores da equipa principal.

Como correu a primeira época no Alverca?
Foi boa para mim. Nem joguei como lateral direito, joguei como médio centro e acabou novamente por ser o professor Arnaldo Cunha e o João Santos, que me apanharam. Joguei praticamente a época inteira. 

Nessa altura já havia namoros ou não?
As coisas normais, mas sem qualquer significado.

E saídas à noite?
Não, eu era certinho demais [risos]. Era gozado porque havia muitos que me desafiavam: "Vamos embora, pá". E eu: "Não, não pode ser que amanhã tenho de me levantar cedo para ir para a escola". Acho que sempre levei as coisas, não é sérias demais, acho que estava um pouco à frente, levava as coisas se calhar como levam os profissionais, independentemente de não ter uma paixão, comecei cada vez mais a olhar para o futebol como a minha profissão, o meu ganha pão, era dali que eu tinha os meus rendimentos. Eu não olhava como o amor à camisola, nunca tive isso, nunca tive cor clubística, nunca tive amor à camisola. Para mim isso não existe, sempre fui muito objetivo, muito pragmático. É a minha profissão, portanto é ganhar o máximo possível no maior curto espaço de tempo possível. Eu olhava o futebol dessa forma.

Segunda época em Alverca. O que conta?
Iniciei da mesma forma, a correr bem, com assistências, com o Mário Wilson, Veloso, uma equipa técnica diferente. Manuel José estava na bancada no dia em que estamos a jogar contra o Paços de Ferreira e faço golo. Chamou-me na semana seguinte para ir treinar com a equipa principal do Benfica. No encontro contra a Arábia Saudita, um jogo-treino a meio da semana, ele chama-me e diz que vou jogar a defesa direito.
Como é que foi entrar pela primeira vez no balneário sénior do Benfica? Ia intimidado?
Não, mas de boca aberta, obviamente, a olhar para aquilo tudo. Era diferente, não era igual aos dias de hoje. As coisas eram muito mais abertas, a equipa principal era completamente diferente, tínhamos acesso, eu era miúdo e sentava-me a ver os treinos no campo Nº3, no antigo estádio da Luz e havia um acesso muito direto aos jogadores da formação. Nós pedíamos as camisolas, os coletes e eles davam tudo e mais alguma coisa. A nós, jogadores do centro de estágio, tratavam-nos de uma forma muito especial, porque eles sabiam que estávamos ali sozinhos. Havia uma proximidade grande. Por isso eu já tinha ido ao balneário algumas vezes buscar botas, conhecia o meio. Embora eu fugisse um pouco, porque a minha relação com o Veloso é uma relação estreita, eu passava fins de semana em casa dele, onde estava com o Miguel que era um miúdo, antes de ser o profissional de futebol que é. Como tinha essa proximidade, evitava muito estar em público com ele, para não acharem que eu estava ali por causa do Veloso. Tentava não misturar as coisas, aquilo que era a amizade que tinha com ele, com a proximidade, o estar lá e abusar da situação.

Como corre esse jogo frente à Arábia Saudita?
Tenho um episódio fantástico nesse jogo. O jogo começa e eu já não jogava há algum tempo a defesa direito. O Manuel José diz-me: "Vais jogar nesta posição, não te preocupes, é só para atacares, defenderes, trabalha, dá tudo e não te preocupes com nada". Eu assim fiz. Começou o jogo, ao início as coisas não me estavam a correr bem porque estava nervoso, falhei um passe, dois, estava muito nervoso, sofremos um golo e ainda por cima foi do meu lado e pensei: “Isto está mesmo a correr mal, isto vai correr mal”. Só que sempre tive ao longo da minha vida uma característica, que é uma certa resiliência e perante a dificuldade cresço nas situações. Depois de pensar que aquilo estava a correr mal, quase a seguir, faço o cruzamento para o Martin Pringle fazer o golo de cabeça. Fica 1-1 e passado um pouco, há um livre à entrada da área. Eu no Alverca batia os livres de cantos, batia as bolas paradas todas. Aquele livre, era à entrada da área sobre o lado esquerdo, o pé direito seria o ideal para bater. Claro que quem estava lá para bater, era só o João Pinto, nada mais do que João Pinto. E eu cheguei lá e pedi-lhe: "Posso bater?" [risos].

Qual foi a reação dele?
O João Pinto com a bola na mão, olhou para mim, desatou-se a rir e disse-me: "Toma lá miúdo, bate lá esse livre". Peguei na bola, coloquei a bola no chão, bati o livre e... Um golo fantástico [risos]. Claro, levei logo calduços de todos os lados, eles gozarem-me pela a ousadia de miúdo de pedir ao João Pinto para bater aquele livre. No dia a seguir, já era “lateral das Arábias”, patati, aquelas coisas. Digamos que foi um momento de viragem na minha carreira.

Continuou na equipa principal?
Sim. Jogador titular na equipa principal, e barato, a ganhar 150 contos por mês, 750 euros. Mas era o normal na altura.

Como foi lidar com aquele balneário? Havia algum jogador sobre o qual tivesse maior curiosidade?
O Michel Preud’Homme na baliza, que para mim não há igual. Sempre foi o meu ídolo de criança. Quando jogava futebol na rua eu ia sempre à baliza, esta parte não lhe tinha contado, mas conto agora. Eu ia à baliza com seis, sete aninhos, quando jogava com o meu irmão e com os amigos dele. Os outros diziam “Eh pá, ele ainda é muito miúdo” e o meu irmão só dizia: "Não se preocupem que o miúdo não tem medo da bola". Levava com bolas na cara, ficava a sangrar e sabe o que é que eu dizia? Que era o Michel Preud’ Homme [risos]. Eles adoravam ver-me na baliza, um miúdo com oito anos que se esfarrapava para defender tudo. Portanto quando chego ao Benfica a minha principal admiração era ver o Michel Preud’Homme, sinceramente. Foi alguém que idolatrei a vida toda e estava agora a jogar com ele. Um dia enchi-me de coragem, cheguei ao pé dele e tive de lhe contar esta história. Ele espetou-me logo um calduço: "Então, mas estás a chamar-me velho?!" e desatou-se a rir. Criou-se logo uma ligação, assim como com o treinador de guarda-redes Lucien Huth, que me deu a conhecer muitas coisas, nomeadamente a cerveja belga.

Não tem histórias para contar dessa altura?
Tenho uma engraçada precisamente com o Preud’Homme. Eu adorava ir para a parte debaixo do autocarro onde estavam os jogadores de maior peso, a jogar cartas, entretidos, naquelas viagens de três, quatro horas para o norte. Estavam sempre Bernardo Vasconcelos, o médico, o João Pinto, Nuno Gomes, Martin Pringle, Michel Preud'Homme. Eu adorava vê-los. Nem pensar jogar, como é óbvio. Até que uma vez o Michel Preud'Homme vira-se "Miúdo, se quiseres jogar eu deixo-te experimentar”. Ele gostava de usar aquele tabaco que se coloca debaixo do lábio, na parte superior do maxilar. Colocava umas saquetazinhas de tabaco entre os dentes e o lábio, era normal nos suecos, nos belgas, utilizam muito esse tipo de tabaco. E eu “Mas deixam-me jogar?”; “Sim, tens é de experimentar um bocadinho deste meu tabaco”. Eu queria era jogar. Coloquei um bocadinho daquele tabaco debaixo do lábio também - nunca fumei na minha vida -, comecei a sentir arder e cuspi imediatamente logo aquilo tudo [risos]. Eles todos riram à gargalhada porque sabiam que eu ia reagir daquela forma, porque aquilo é horrível. Fiquei tonto, lá me sentei, todo branco. Mas mereci a brincadeira porque estava ali a querer jogar cartas com 19 aninhos, no meio das “trutas” todas e craques de seleção. Fui praxado e bem praxado pelo Michel, mas ele também gostava de mim por isso é que brincava dessa forma.

Continuou a levar uma vida certinha, sem saídas à noite?
Sim. A altura em que saí mais foi com os meus 17, 18 anos, antes de ser jogador da equipa principal. Quando percebi que o futebol passou a ser a sério, acabou, já não saia, o meu comportamento foi outro porque percebi que aquilo era a minha forma de ganhar dinheiro e de pagar as contas ao final do mês, e era para levar a sério. Sempre tive cuidado com a alimentação e fui seguido a vida toda no que diz respeito a suplementos alimentares, era um profissional que ninguém me podia apontar nada. Era muito rigoroso, procurava cuidar do meu corpo o melhor possível. Sair à noite foi mais quando era juvenil e júnior, que jogávamos sábado à tarde e eu pedia autorização ao mister Nené para irmos sair, todos juntos, éramos colegas do centro de estágio. O sábado à noite era para nos divertirmos, domingo era folga, segunda treino. Depois disso meti um travão. Também fui pai cedo, fui pai com 21 anos.

Quando conhece a sua mulher?
Conheci a minha ex-mulher, tinha 19, 20 anos, quando estava no Alverca. Trabalhava num clube de vídeo que eu frequentava e proporcionou-se dessa forma. Aos 20 fomos viver juntos e aos 21 anos fui pai da Mariana Sousa, nascida em maio de 1999. O meu filho nasceu também em maio, mas de 2002. O mais triste de tudo é que, não é mais triste mas faz-me sentir velho, é que encontrei os meus filhos na sala de voto agora nas presidenciais. Já vão votar os dois, faz-me sentir velho [risos].

Voltando ao futebol, o Manuel José sai e vem o Souness.
Exatamente, o Manuel José vai buscar-me e depois desse jogo-treino ele diz-me: "Ok, tu vais ficar. Vou dar-te 10 jogos. Vais ter 10 jogos onde tens toda a liberdade para jogar, não te vou exigir nada, não te vou cobrar nada, vais jogar, queres jogues bem, quer jogues mal". Foi fantástico. Lá está outra das pessoas que me marcou porque um treinador que diz a um jogador “Queres jogues bem, quer jogues mal, tu vais jogar 10 jogos”, dá logo outra confiança. A época, 97/98 acabou por ser a época em que peguei de estaca na equipa do Benfica e ganhei titularidade. É um ano em que inclusive no dérbi Sporting-Benfica, jogo e faço o 2 -0. É um ano especial que me lança, sem dúvida.

Como foi depois o impacto com Souness? Métodos muito diferentes dos de Manuel José?
Sim, completamente diferentes. A forma de estar, de jogar, de pensar. Para começar, deixou de haver estágios, não há estágios para ninguém, os jogadores têm de sentir liberdade. “Máxima liberdade, máxima responsabilidade” era um dos lemas do Graeme Souness. Depois, a forma divertida com que ele dava os treinos, de exigência mas ao mesmo tempo de diversão. Marcou-me e não é à toa que conseguimos nessa temporada, chegar perto do Futebol Clube do Porto. Acabamos por perder no confronto direto, o que ditou a não possibilidade de vencer o título, mas mesmo assim, foi um Benfica que esteve lá perto. Recuperou imenso, conseguiu o 2º lugar, ir à Liga dos Campeões, acabou por ser um final de temporada muito bom. Mas temos o muito bom e o muito mau na época a seguir [risos]. 

Chegam uma série de jogadores ingleses…
Exatamente, uma reestruturação total e completa do plantel, com jogadores que, na minha opinião, não acrescentaram em nada. Isso criou algum mal estar na equipa. Foram anos difíceis do Benfica. Quando apareço no Benfica já estão a passar por uma situação difícil, uma equipa sem conseguir ganhar títulos, sem conseguir ganhar nada, nessa temporada inclusive perdemos nas meias finais frente ao SC Braga, em Braga por 2-1, portanto acaba por ser uma época em que não se ganha nada. Vamos à Liga dos Campeões, mas não foi uma época de excelência. No ano seguinte, ainda foi pior. O Souness faz uma série de contratações, desportivamente para mim não foi uma época muito boa porque acabei por fazer uma fratura no quinto metatarso à esquerda e tive dois, três meses de paragem, acabou por marcar negativamente o ano para mim.

Regressa ao Alverca porquê, em concreto?
Ora bem volto ao Alverca porque entretanto acaba por acontecer uma incompatibilidade com o Vale e Azevedo. Ele queria que eu fosse para Guimarães, para ser uma moeda de troca no negócio com o Nandinho, com o Pedro Espinha e eu acabei por dizer que não, porque não era vantajoso para mim o negócio. O Vale Azevedo disse-me imediatamente: "Não tens mais possibilidade de estar cá na próxima temporada"; "OK, você é que sabe". Exaltamo-nos um pouco, na altura o meu empresário era o Jorge Mendes, o doutor Pimenta Machado, que também estava presente na reunião acalmou um pouco as coisas, mas acabou por ser uma época que não correu da melhor forma e, claro, mal acabou a temporada rescindi contrato com o Benfica, porque ele disse que eu poderia ser emprestado e como só me faltava um ano de contrato, eu disse-lhe "Então prefiro rescindir e tenho toda a liberdade. Rescindo e vou à minha vida. Não quero dinheiro nenhum, não quero nada". E fui para o Alverca uma temporada. 

Com o José Romão como treinador?
Sim. O presidente era Luís Filipe Vieira. Fiz uma época sólida e no final da temporada, faço contrato com o Futebol Clube do Porto.

Através do Jorge Mendes?
Sim, foi através do Jorge Mendes que assinou contrato promessa com o Futebol Clube do Porto e vou para SC Braga nessa primeira temporada.

Quando assinou já sabia que era para ser emprestado ao SC Braga?
Sim. Entretanto tive uma lesão no ombro.

Como fez essa lesão?
Foi num lance super normal com o Tiago, que depois foi jogador do Benfica, o médio centro, num treino, na brincadeira, a fazer uma falta ainda por cima, caí com o ombro e tenho uma luxação clavicular e tive de ser operado. Dois meses e meio de paragem. Nunca tive muita felicidade com lesões, nunca tive uma lesão muscular mas traumáticas fui rei nelas. Recuperei lindamente da lesão no ombro e fiz talvez das minhas melhores épocas, por isso é que eu ingressei no plantel do Futebol Clube do Porto, na época seguinte, porque acabo por fazer uma segunda volta de excelência no SC Braga. 

Com o Manuel Cajuda?
Sim.

Tem alguma história com ele?
Tenho uma que marca, não pela positiva, mas acaba por ser uma lição de vida. O Pedro Lavoura teve um acidente fatídico e o Cajuda tem uma atitude que eu na altura pensei “Fogo, isto é muito pesado”. Ele colocou a fotografia do Pedro Lavoura no balneário e a forma sentida como falou do Pedro Lavoura, a quem devíamos dedicar essa temporada, acho que comoveu todo o plantel, e moveu todo o grupo em prol de algo. Andámos a época toda em 1º, 2º, 3º, acabámos em 4º lugar e com cinco derrotas seguidas se não estou em erro.

Há alguma justificação para essas cinco derrotas?
Fadiga, cansaço. Aquilo com o Manuel Cajuda eram treinos… Matava-nos fisicamente. Houve também um calor excessivo que fazia em Braga nos últimos jogos, aquilo foi uma loucura mesmo, 40 e tal graus... Não foi nada fácil o final da temporada mas acaba por ser uma época de excelência. Aquelas quartas-feiras passadas no Bom Jesus a correr, foram tempos fantásticos também com o Miki Feher, que foi meu colega em Braga. Criei ali uma amizade grande com o Feher e depois também infelizmente aconteceu o que aconteceu.

Não tem mais histórias dos tempos em Braga?
Nós à quarta-feira íamos sempre para o Bom Jesus e é claro que não achávamos muita graça. Íamos sempre em carrinhas para o Bom Jesus e nunca queríamos ir porque já sabíamos o que nos esperava, um treino de correr, correr, correr, e bola, só cheirá-la, nada mais. E acontece que na viagem um de nós ia sempre à frente ,ao pé do condutor e do roupeiro, o Joca - que ainda lá está e a quem aproveito para mandar um abraço -, e o que fazíamos quase sempre era desligar o motor, tirávamos a chave da ignição quando o condutor ia a descer o 1º de maio. O homem começava a travar em direção à rotunda e tinha de estar a fazer uma força de todo o tamanho [risos]. Uma vez quase que fomos direitos à rotunda, mas pronto, fazia parte, tudo a rir, tudo a brincar. Aquela carrinha não andava nada, ia super devagarinho, o homem tinha de puxar o travão de mão para aquilo travar. Depois lá punhamos a chave na ignição, ele lá ligava e seguia viagem. Mas ele chateava-se muito connosco, chegávamos sempre atrasados ao Bom Jesus. Dizíamos que a carrinha tinha avariado e o motorista desmentia-nos, tentava contar o que lhe fazíamos e era sempre uma caldeirada. Mas o Manuel Cajuda fazia aquela cara de mau, mas gostava daquilo porque sabia que era bom ambiente para o grupo de trabalho.

Quando acaba a época é chamado ao FC Porto. Mas só faz a pré-época, não é?
Sim. Eu preparei-me lindamente, tirei 15 dias de férias e os outros 15 dias estive já a preparar a temporada com um preparador físico, para me apresentar com condições de excelência na pré-época em que fomos para Clairefontaine. No terceiro dia de treinos rebentei o meu joelho todo. Estive dois meses e meio parado, e claro, acabei por não ser inscrito na Liga, não fui inscrito na Liga dos Campeões, fiquei para segundo plano.

E depois vai parar ao Farense. Como?
Quando voltei da lesão, treinei duas semanas e lesionei-me novamente, no outro joelho. Acabei por ir para Faro, onde fiz poucos jogos, porque da lesão que tive nunca cheguei a recuperar. Eu disse-lhes "estou lesionado". "Não tem mal, recuperamos lá lindamente, temos lá o Fernando Barão" . E de facto foi fantástico comigo, com uma paciência tremenda, mas o que é certo é que eu tinha sempre dores, dores, edema, edema.

Quando vai para Faro, vai sozinho ou vai com a família?
Sempre com a família para todo o lado, acho que não faz sentido de outra forma.

Quem estava como treinador?
O professor Jorge Castelo, mas as coisas não estavam a correr bem e acabou por entrar o Paco Fortes. Mas foi uma época negativa, um Farense que desceu de divisão. Foi uma época também péssima para mim, porque era posto médico, infiltrações, tira sangue, põe corticoides, enfim... Foi muito mau do ponto de vista desportivo e acabei por dizer, já chega, não faz sentido nenhum andar aqui a sofrer. Fui para o Porto novamente para ser operado e fazer uma limpeza ao joelho para recomeçar a carreira. No final da época regressei ao Futebol Clube do Porto, mas não tive hipótese nenhuma, nem tenho qualquer jogo, porque foram lesões atrás de lesões graves. Acabei por ingressar no Belenenses, emprestado.

Quando chega quem era o treinador, o Marinho Peres ou o Manuel José?
Era o Marinho Peres, com a sua boa disposição, fantástico. Tenho uma história engraçada com ele. 

Força.
O Marinho Peres gostava de ter jantar de equipa uma vez por semana e fazia questão de estar lá sempre. E junto de quem? Dos jogadores que só faziam palhaçada. Eu, o Marco Paulo, Bruno Fernandes, o Tuck. E um dia o que resolvo fazer? Pego no telefone do Marco Paulo, que estava a olhar para o lado a falar com não sei quem, tudo de propósito para enganarmos o Marinho Peres. Pego no telefone dele, mostro ao Marinho Peres, como quem diz vamos roubar na brincadeira, e meto debaixo da mesa com uma mão, mas na minha mão direita tinha uma colher com manteiga e em vez de passar o telefone ao Marinho Peres estiquei-lhe a colher cheia de manteiga. O Marinho Peres agarra na colher cheia de manteiga, sem ver, e eu ainda lhe esfreguei mais manteiga nas mãos. Claro, insultou-me de tudo e mais alguma coisa. Era toda a gente a rir [risos].

Não era titular com o Marinho Peres. Porquê? Não era por causa das partidas, pois não?
Não [risos]. Eu quando vim para o Belenenses tinha uns quilos a mais, tinha 86 quilos, porque a lesão que fiz no joelho obrigou-me a fazer um tratamento com corticoides e eu inchei. Entretanto o Marinho Peres sai, vem o Manuel José . Quando me viu :"O que é que se passa contigo? Pareces uma vaca gorda" [risos]. Foi mesmo o termo que ele utilizou, começou logo toda a gente a rir. "Mister estou a fazer medicação, engordei". E ele: "Ok, tens duas semanas para perder peso, se não podes ir embora". Andei a sopa durante duas semanas, a comprimidos e ampolas, para ter energia para treinar e para correr. O que é certo é que perdi uns sete, oito quilos e voltei a estar em forma. Acabei por fazer um final da temporada com o Manuel José muito boa, a titular indiscutível. Depois rescindi o contrato com o Futebol Clube do Porto e assinei pelo Belenenses por mais quatro épocas, onde tive um percurso tranquilo. Grande parte da minha carreira foi passada lá, gostava das pessoas, gostava do grupo de trabalho.

Mas não jogou sempre no Belenenses.
Tive muitas lesões. Na segunda época tive um problema no menisco e estive dois meses parado. Na época seguinte um problema no cruzado anterior, seis meses parado [risos].

Depois da saída de Manuel José vêm Bogicevic e Inácio, certo?
Sim, foi péssimo. Era a ver quem era o pior treinador, era a ver quem descia de divisão aquela equipa do Belenenses. O mister Inácio acabou por aguentar, por aquilo que é a sua experiência de futebol, mas foi um ano muito difícil e acho que foi mais o grupo de trabalho que aguentou o barco, do que propriamente os treinadores.

A seguir veio Carlos Carvalhal.
Estamos a falar de um treinador já de outra geração. Um treinador que vinha a crescer e deu para perceber que tinha grande qualidade no treino, nas ideias, na forma de estar e de jogar. Acho que ainda com alguma inexperiência na sua forma de liderar. Comparando o que vejo hoje do Carlos Carvalhal com aquilo que via enquanto foi meu treinador, é um treinador completamente diferente, evoluiu, até na forma de jogar, mas já na altura penso que era um treinador muito à frente na sua metodologia, na forma de trabalhar.

Na época seguinte entra Couceiro. Muito diferente?
Com José Couceiro também acabou por não correr da melhor forma, é um facto. Não correu nada bem do ponto de vista desportivo, inclusive descemos de divisão.

Mas o “Caso Mateus”...
Ora aí está. Nós descemos de divisão matematicamente, mas depois na secretaria o Belenenses recorre devido ao caso Mateus e acaba por se aguentar na I Divisão. No entanto, como é óbvio, os jogadores preparam-se para estar na II Divisão, baixaram o ordenado, tudo aquilo que deviam fazer e fizeram. Uns quiseram, outros não. Eu falei logo com o clube, imediatamente baixei, acedi logo.

Tem ideia de qual a percentagem que baixou de ordenado?
Pelo menos 20%, mas entretanto aumentaram mais um ano de contrato. No fundo aquilo ia equilibrar as contas. Foi esta a forma que o Belenenses encontrou e bem, nada a dizer, nada, pelo contrário.

As coisas não correm bem com o Jorge Jesus, pois não?
Não, não correm nada bem com o Jorge Jesus.

Não é fácil lidar com ele?
Não é fácil e tive um problema com ele que não vou revelar, para não ser deselegante, mas a partir percebi que nunca mais iria jogar com Jorge Jesus.

Tem outras histórias que possa partilhar dele, ou não?
[risos] Atenção, incompatibilizei-me por completo com o Jorge Jesus, mas naquilo que faço como comentador não misturo, para mim é dos melhores treinadores que tive, e digo-o sempre à boca cheia. Foi dos melhores treinadores que tive na carreira, não misturo aquilo que ele foi para mim do ponto de vista pessoal com aquilo que foi como treinador. Assumo que é o melhor treinador que tive, mas depois tem o outro lado que é insuportável, que não dá para mim.
Voltemos às histórias.
O Jorge Jesus dava palestras e eu e outro colega sentamo-nos à frente a ouvi-lo e era impressionante como o Jesus conseguia falar mau português e cativar, era impressionante, era muito bom estar a ouvi-lo durante uma hora, mas era mesmo bom. Ele passava a informação de uma forma perfeita, ele sabia que nós sabíamos o que ele queria, ele passava a imagem de uma forma espantosa. Era incrível, mas claro com muitas calinadas. Muitas vezes íamos escrevendo num livrinho as calinadas que ele dava. Foi giro, deu um livro grande [risos].

Onde anda esse livro?
Depois perdemos isso, não guardei. Eu não me prendo às coisas, não tenho uma camisola de clube nenhum, não tenho nada. Mas tenho outra história com o Jesus.

Conte.
Eu ia muitas vezes ao posto médico porque só lá podiam estar os lesionados e o ambiente era sempre muito bom. Eu gostava de ir para lá então dizia que tinha dores nas costas e metiam-me um calor nas costas para depois me darem massagem. Era um pretexto para estar no posto médico. Um dia coloquei uma pomada muito escura da cor do Betadine, mas que cola, na parte debaixo da maçaneta e deitei-me a fazer o calor nas costas uma hora e meia antes do treino começar. Estava à espera que entrasse qualquer jogador, sujava a mão e eu ficava ali a rir. Para mal dos meus pecados entra o Jorge Jesus, Quando mete a mão na maçaneta da porta, olha para aquilo, eu baixei a minha cabeça nem disse nada, fiquei caladinho. Ele também não disse nada, limpou a mão, mas como é óbvio ficou com cara de poucos amigos [risos].

Nestes anos todos que passou por vários clubes, nunca foi praxado, nunca lhe fizeram partidas?
Não, era eu que fazia aos outros [risos].

Conte-nos qual foi a pior coisa que fez?
O Cândido Costa nunca levava champô, nem gel, nunca na vida, nunca gastava dinheirinho em champô e gel de banho. Um dia enchi o meu gel de banho com detergente da loiça e o Cândido andou a lavar o corpo com detergente da loiça durante uma semana. Ao fim de uma semana começa a ficar com uma alergia na pele, vermelho, vermelho, vermelho até que eu tive de dizer ao médico porque é que o Cândido Costa estava daquela forma. O médico quase me insultou por eu estar a fazer aquilo ao Cândido [risos]. Ele não deu por nada, aquilo fazia espuma por todo o lado, era tudo a rir e ele nada. Fazíamos tanta palhaçada. Uma das vítimas era o roupeiro, o Zé Maria, que faleceu recentemente. Vou contar em forma de homenagem, uma história que tem alguma piada. Ele tinha a alcunha do “Tica-tica” porque cantava o fado e cantava muito bem. E tínhamos a mania de o colocar amarrado a um poste com fita adesiva e depois tentávamos acertar com a bola no “Tica-tica”. Claro que ninguém estava para acertar, era só para o assustar, mas era algo que fazíamos de vez em quando. Os nomes são os mesmos. Tuck, Sousa, Wilson, Filgueira, Bruno Fernandes, Neca, Rui Duarte, todos jogadores que entravam sempre nas brincadeiras. Fazíamos isso ao Zé Maria recorrentemente. Com o Carlos Carvalhal também uma vez pegamos no “Tica-tica” despimo-lo e enfiamos dentro daqueles caixotes de lixo grandes [risos]. Mas era uma pessoa por quem tínhamos um carinho muito grande. Eram brincadeiras sem maldade nenhuma, ele gostava que brincássemos com ele daquela forma e deixava porque sabia que era porque gostávamos dele.

Ainda tinha mais um ano de contrato com o Belenenses, mas acaba por ir para o Chipre. Porquê? 
Porque me incompatibilizei com o Jorge Jesus e ele disse-me que não contava comigo nessa temporada. Cheguei a acordo de rescisão facilmente com o presidente e estive meio ano sem jogar, porque tinha tudo acertado para ir para Espanha, mas não aconteceu.

Para onde?
Para o Cádis, para a II Divisão espanhola, mas entretanto o diretor desportivo que tinha acertado comigo, acabou por ser despedido, o treinador também e... acho que foi o início do fim da minha carreira, digamos assim.

Mas então como é que vai parar ao Olympiakos Nicosia, do Chipre?
Eu vou para o Chipre porque quem está lá estava era o meu primo Ricardo Sousa. Disse que havia essa possibilidade e fui.

Era algo que ambicionava, experimentar uma aventura além fronteiras?
Não. Felizmente em Portugal fui um felizardo nos clubes que representei. Benfica, FC Porto, SC Braga, Belenenses... Farense e Alverca têm dimensão menor, mas estamos a falar de clubes de dimensão sempre média alta. E sinceramente nunca senti essa necessidade, apesar de ter havido uma ou outra abordagem em determinadas alturas da minha carreira. A necessidade que senti de ir para o Chipre foi mesmo porque estava parado há seis meses, a jogar golfe.

Quando começou a jogar golfe?
Em 2004. comecei a jogar com o massagista do Belenenses, o José Carlos Quintão. Eu, ele, Marco Paulo, Bruno Fernandes, uma série de jogadores do Belenenses almoçávamos juntos e depois íamos até ao estádio nacional bater bolas. Achávamos graça. Até que um dia lhe parti um taco. Peguei naquilo, acertei no chão, voou a cabeça do drive e imediatamente fui comprar-lhe um novo e pensei: "Não vou andar aqui a estar dinheiro à toa". Fui ao El Corte Inglês comprei um set de tacos baratinho e eu e o Marco Paulo começámos os dois a jogar e ainda hoje jogamos. Tanto joguei que consegui ter um handicap dos mais baixos, de seis qualquer coisa. Sou o presidente do Clube de Golfe de Belas e acabo por ter uma ligação ao golfe até hoje. Naquela altura morava no Belas Clube de Campo e acabei por ganhar algum gosto ao golfe porque não jogava futebol, fechou-se a janela de mercado de transferências. Tinha 29 anos. Por isso é que digo que foi o princípio do fim. Depois fui ao Chipre seis meses.

Sozinho ou com a família?
Aí fui sozinho.

Gostou?
Não foi algo que gostasse muito por estar sozinho. Muitas das vezes até estava em casa do meu primo porque eu odiava estar sozinho. Não foi uma experiência que me tenha agradado.

E a nível de futebol, também não?
Não joguei assim tanto. Era um futebol muito diferente do nosso e sobretudo muita política. Uma coisa que nunca tinha vivido no futebol e desagradou-me de tal forma que eu só perguntava: "Mas isto é real?". Depois o meu primo acabou por ir embora e fiquei desamparado alguns meses até que o clube não pagava...Aliás, o Ricardo disse-me logo quando fui que tinha de pedir metade do contrato na mão. E assim fiz. Eles deram, mas foi só isso que recebi porque não recebi mais nada [risos]. Até que houve uma altura em que lhes disse: "Metam-me num avião que vou embora". E assim fizeram. Peguei no avião e nem quis saber de mais nada, a faltar um mês ou dois para o final, mas percebi que aquilo não era nada, a qualidade de treino era péssima, o ambiente era muito mau porque nos últimos cinco, seis jogos o clube já tinha descido de divisão. Isto não é para mim, nem pensar, longe de casa, dos filhos, de tudo, não faz sentido nenhum. E vim embora.

O Beira Mar surge através do seu tio António Sousa?
Sim. Convidaram-no para ser o treinador e ele perguntou-me se eu estava disposto a jogar na II Divisão. OK, ainda vou jogar mais um ano e pode ser que o Beira Mar suba de divisão. Mas não aconteceu, o meu tio saiu, eu queria sair também, mas eles disseram: "Nem pensar, não vamos misturar as coisas". Também estava sem família lá porque os meus filhos estavam na escola, em Lisboa. No ano a seguir acabei por ir para o Arouca, onde ainda hoje o Carlos Pinho é o presidente e com quem fiz uma amizade grande, foram pessoas fantásticas que nunca falharam com nada. Decidi aceitar o projeto, o Carlos Secretário com quem tinha jogado no FC Porto era o treinador e o objetivo era a subida. Fomos campeões da IIB, campeonato de Portugal hoje, subimos à II Liga e eu acabei a carreira.

Porquê?
Rebentei o meu joelho pela quarta ou quinta vez, mais uma cirurgia, mais uma ligamentoplastia e entendi que já chegava. Tinha 32 anos. Uma carreira sem uma rotura muscular, sem um problema muscular, e seis operações. Já chegava.

Nessa altura já sabia o que queria fazer a seguir?
Já estava a pensar, embora com alguma incógnita. Quando estava no Belenenses tirei o UEFA C e UEFA B do curso de treinadores. Ainda pensei em voltar a estudar, mas com filhos como é que iria conciliar tudo e mais alguma coisa? OK, vou ser treinador. Peguei no projeto com o Marco Paulo, onde ele era o responsável pelas escolinhas de futebol em Vila Verde e eu era treinador e ajudava-o. O Marco é convidado, duas épocas mais tarde, para ir para os juniores do Belenenses e leva-me como adjunto dele. É o ano em que começo a minha carreira como treinador. Marco Paulo passou para a equipa principal e deixou-me a mim como treinador principal da equipa de juniores. Eu terminei essa época e permaneci mais duas ou três temporadas como treinador de juniores no Belenenses.

Gostava de treinar os miúdos ou prefere os mais velhos?
Os mais velhos. Claro que qualquer treinador deve passar pela etapa da formação, quase é obrigatório, pela aprendizagem. Acabei por fazer uma época de excelência, fomos à fase final, treinei jogadores como o Pedro Marques, o Heriberto, o Beni Dias, Oleg Reabciuk, uma série deles que hoje estão no patamar de excelência. Foi um ano muito gratificante e digo para mim "É mesmo isto. Vou apostar no futebol sénior".

E vai para o Vilafranquense.
Sim, mas correu menos bem.

Porquê?
Do ponto de vista desportivo o que me foi pedido foi valorizar jovens, a manutenção. O que é certo é que depois as coisas se calhar começaram a correr bem demais. Os jovens estavam a ser mais do que valorizados, levei o Tiago, meu guarda redes de 18 anos que ainda era júnior, e já era titular do Campeonato do Portugal; uma equipa recheada de jovens com alguns jogadores experientes à mistura. Estávamos a morder os calcanhares dos cinco, seis, sete primeiros. E as pessoas começaram pensar que se calhar aquela equipa podia dar o salto para algo mais. Tínhamos um jogo contra o Torreense e contra o Mafra, perco com o Torreense, empato com o Mafra, o 1º e 2º classificados, e dizem-me que se calhar a equipa tem capacidade para mais. E eu perguntei "Mas então o objetivo qual era? Não era manutenção, não era promover jovens?". A resposta foi um encolher de ombros e eu cansei-me de política, cansei-me de aturar presidentes, de aturar diretores desportivos, cansei completamente, não tenho paciência para gente desonesta.

O que acontece depois?
É quando tenho a proposta para começar a colaborar com a SportTV e, honestamente, acho que encontrei algo que verdadeiramente gosto, mais do que quando jogava futebol, é engraçado. Sou treinador, entretanto tirei o UEFA A, já o IV nível eu e tantos outros treinadores não conseguimos fazer, não sei porquê. Não sei se é política ou se há critério, ainda não consegui perceber, pode ser que um dia consiga. Mas o objetivo é tirar o UEFA Pro e um dia, não é daqui a um ano ou três, mais à frente talvez voltar ao treino. Mas para já fiquei mesmo saturado de dirigentes. Aturei-os durante muitos anos na vida enquanto joguei, e depois voltar a aturar enquanto treinador ainda é pior do que quando era jogador. Muito pior. Sinto-me lindamente deste lado de cá do futebol, das câmaras. Sinto-me confortável.

Não há programas e comentadores de futebol a mais?
Não. Acho que qualquer pessoa se sente no direito de falar sobre futebol, qualquer pessoa se sente no direito de comprar um jornal desportivo e dar a sua opinião. Agora a questão é se tem ou não conhecimento de causa daquilo que fala, é só isso. Depois os diversos canais é que podem utilizar ou não comentadores mais ou menos credenciados. Cabe a cada um com a sua consciência falar sobre aquilo que verdadeiramente interessa, que é o futebol. Sou um felizardo porque estou num canal onde o que importa é analisar jogo, ver jogo, falar do jogo, de futebol. As polémicas ficam para os outros canais, o que é bom. Aquilo que faço é falar de futebol apenas, e é disso que eu gosto.

Chegou a terminar o curso de Economia?
Não, e isso está-me atravessado [risos]. Deixei o curso quando fui para SC Braga. Estava na Universidade do Minho, onde ainda fui quatro meses às aulas, mas depois entre ter uma filha com quase dois anos, época de férias... ou vou de férias com a família e aproveito ou fico a estudar para exames, sinceramente, acabei por deixar para trás o curso.

Onde ganhou mais dinheiro?
No FC Porto.

Investiu em quê?
Em imobiliário.

Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Não fiz. Nunca tive nada que dissesse que gastei um balúrdio ou uma fortuna.

É um homem de fé?
Sou. Mas não vou à igreja.

E superstições?
Benzia-me sempre antes de entrar em campo.

Tatuagens, tem?
Sim, mas muito pessoal.

Além do golfe, tem outro hóbi?
Tinha dois hóbis: pescar e jogar golfe. Fiz alternado. Joguei golfe, deixei de jogar golfe e comecei a pescar, durante cinco anos, depois deixei de pescar e voltei a jogar golfe.

Esse gosto pela pesca surge quando e como?
Desde os meus oito, dez anos, altura em que ia à pesca com os meus tios ao sábado de manhã. Era aquele dia da semana que eu adorava, nem dormia para ir à pesca. Tinha uma cana e um carreto pequeninos para mim, íamos para a ria de Aveiro, em São Jacinto, e era um sábado incrível por isso desde sempre que tive a "doença" da pesca. Hoje pesco no mar, mas da terra para o mar.

Tem algum peixe preferido?
Douradas. Pescadas por mim.

Qual foi a maior amizade que fez no futebol?
Fiz várias em diferentes momentos da minha vida. O Marco Paulo foi uma pessoa que me marcou porque me acompanhou sempre, foram muitos anos no Belenenses, depois como treinador, passamos férias juntos; o Idalécio, que é meu compadre, é padrinho do meu filho. É um ser humano incrível. O Bruno Vaza, joguei com ele em Braga também e ainda hoje mantemos uma amizade grande. Depois há imensos outros com quem fiz amizade mas com quem fui perdendo contacto.

Se pudesse ter escolhido qualquer clube ou liga do mundo para jogar, qual teria escolhido?
A única liga que gostava de ter experimentado era a liga inglesa, porque tudo é espectáculo. Identifico-me com tudo da liga inglesa.

Em que posição lhe dava mais gozo jogar?
Como avançado. Nunca gostei de jogar a defesa direito e foi onde fiz a minha carreira [risos].

Qual foi o adversário mais difícil que teve pela frente?
Eu sei que isto é injusto perante tantos craques com quem joguei contra, mas o jogador que mais dores de cabeça me deu foi o Rui Borges. Era um baixinho, rápido, pé esquerdo, pé direito. Tenho pena que o Rui nunca chegou a um patamar de clubes mais altos e se calhar podia lá ter chegado porque tinha qualidade para isso, não tinha era marketing para isso, não tinha um empresário, não tinha alguém atrás dele que o mandasse para outros patamares.

O maior arrependimento na carreira?
Não tenho. Sempre disse tudo que tinha a dizer aos presidentes e aos treinadores que apanhei. Rescindi quando tinha de rescindir. Nunca fui de deixar de fazer ou de dizer.

E o momento de maior alegria no futebol?
Sinceramente, nunca venci nada, nunca tive campeonatos ganhos, nunca tive taças, nunca tive nada, por isso é difícil. Nunca fui uma pessoa verdadeiramente de paixão, o futebol era a minha profissão. E não sou uma pessoa fria, sou uma pessoa muito dada ao sentimento, mas olho para o futebol como a minha profissão. Não tenho nada que diga...Eu lembro-me das lesões todas, de todas, lembro-me como se fosse hoje da dor que senti em todas elas, portanto consigo dizer mais facilmente quais os momentos negativos, que estão aqui gravados, e de repente os positivos, estou com dificuldade de dizer.

A maior frustração?
Nem foi como jogador, foi como treinador e no Vilafranquense.

Não ter representado a seleção nacional não lhe deixou nenhuma mágoa?
Vou ser sincero, para aquilo que eu representava em termos de qualidade como jogador, eu dava-me tanto à minha profissão que acho que excedi as minhas expectativas de onde podia ter chegado. Por isso ter chegado à seleção de sub-20 e de sub-21, foi bom. Aquilo de que mais gostei foi de ter sido internacional em posição diferentes. Eu fui internacional como ponta de lança e como defesa direito. E das coisas que mais me marcou, e foi pela negativa, foi um treinador da seleção ter dito que eu nunca mais com ele como selecionador iria pôr os pés na seleção e o que é certo é que coloquei.

Mas porque é que ele disse aquilo na altura?
Porque fui chamado a um torneio, estava eu na Sanjoanense, e o meu andamento perante os outros era muito inferior, o que é normal, vinha de um Sanjoanense e já contei das dificuldades que tive para me adaptar quando cheguei ao Benfica, dá para perceber a diferença física que tinha para os outros. Não consegui corresponder e ele disse-me aquilo. E é engraçado que depois joguei como defesa direito, com esse mesmo selecionador [risos].

Só falta sabermos quem era esse selecionador.
Rui Caçador.

O que fazem os seus filhos, estudam?
A Mariana está no último ano de enfermagem, em Santa Maria. Está a fazer os estágios dela. É um curso que é a cara dela. O meu filho está no 1º ano de Gestão, na universidade Católica. Está a adaptar-se. Ele jogou futebol até o ano passado. Fiz como os meus pais, deixei nas mãos dele a decisão. Nunca o forcei a jogar futebol. Ele jogou no Belenenses onde permaneceu durante três épocas, com um pé esquerdo muito melhor do que os meus dois pés juntos. Mas ele também sempre foi muito focado na escola, um excelente aluno que sabe o que quer. Disse que não queria jogar mais, OK.

Uma última história. Tem?
Falta do FC Porto. E a propósito de praxes, havia a tradição no FC Porto dos jogadores novos sentarem-se numa determinada zona e levarem com um balde de água com lixo, normalmente era o Paulinho Santos que atirava. Toda a gente se juntava no hall de entrada e havia duas poltronas que estavam sempre vagas. E uma vez o Vítor Baía pega no argentino Juan Esnaider, que tinha sido contratado, vinham a falar muito cordialmente e o Vítor senta o Esnaider na poltrona. Toda a gente a olhar, a rir, mas a pensar “Isto vai dar raia”. O Paulinho Santos coloca-se na parte de cima e quando toda a gente começa a cantar o nome do Paulinho Santos ele vira um balde de água cheio de lixo para cima do Esnaider. É claro que o Esneider, tendo em conta a sua origem, o país de onde vem e o jogador fervoroso que é, de repente olha para cima, vai atrás do Paulinho Santos. Se não é Jorge Costa, Vítor Baía, Secretário, a agarrar o Esnaider, eu acho que o Paulinho Santos tinha levado um enxerto de porrada. Mesmo sendo tradição, o Esnaider não achou piada nenhuma àquilo e a coisa ainda demorou alguns dias a acalmar [risos]. Eu não fui praxado porque dava-me bem com o Secretário e com o meu primo, o Ricardo Sousa, então fui poupado."

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