"Nunca como no arranque desta época estive perto de me desiludir com Guardiola. O Manchester City trocava atacantes por médios defensivos, parecia rendido a jogadores mais contundentes que talentosos e abusava de lançamentos longos ou sucessivas variações de flanco. Parecia perdida a paixão pela bola, por cuidar dela, tão depressa a perdia, como uma equipa banal. Interrogava-me se lhe mordera, a ele também, a mosca da alegada intensidade, que nem o facto de ter agora como imediato Juanma Lillo, velho inspirador e ortodoxo do belo jogo, parecia capaz de atenuar. Bem mais que a série de maus resultados que afundava a equipa na tabela, era o jogar que me descoroçoava: sem identidade, sem pausa e com criatividade diminuída. Não se tratava apenas de não ganhar ou fazer menos golos, era nem capaz de ser capaz de sequenciar lances ou criar mais que três ou quatro tímidas oportunidades em cada jogo. Como já escrevi outras vezes, bem pior que perder jogos, no futebol, é perder a capacidade de nos encantar e criar ilusão.
As equipas de Guardiola nunca foram perfeitas, que as não há, de resto, e sempre vacilaram particularmente nos momentos de transição defensiva. Foi isso, mais de uma vez, que o impediu de juntar novas Ligas dos Campeões às duas que acumulou em Barcelona. O futebol de risco e imperfeito a defender, sobretudo em jogos a eliminar, sem uma série mais longa que permita corrigir a rota, provocou-lhe os maiores desenganos. Assim perdeu mais que uma vez com Real de Ronaldo (e Bale e Benzema), quando em Munique. Campeonatos perdeu três, também para Real Madrid, nos 100 pontos com Mourinho em 2012, para o Chelsea de Antonio Conte no primeiro ano de Guardiola em Inglaterra e para o sensacional Liverpool que Jurgen Klopp devolveu à glória interna na época passada. Quer isto dizer que Guardiola, aos 50 anos, ganhou 8 em 11 campeonatos que disputou e não vai mal lançado para somar mais um e melhorar a média.
Claro que o clube tem muito dinheiro, que contrata quase quem quer (mesmo se não chega a candidatos óbvios à Bola de Ouro), mas não só há vários outros a gastar fortunas também – Manchester United, Liverpool, Chelsea, Juventus, Paris Saint-Germain, Bayern de Munique - como o City passou a ter uma regularidade de êxitos como nunca antes. E Guardiola fá-lo em Inglaterra como antes em Espanha e na Alemanha. Além dos troféus todos, que bem contados são uns impressionantes 30, atingiu esta semana na Premier League a melhor sequência de vitórias de sempre, como antes tinha feito em La Liga e na Bundesliga. E fê-lo com uma vitória arrasadora sobre o maior rival além-Mancha e em casa deste, onde o Liverpool não sofria quatro golos vai para 32 anos. Para ser perfeito o quadro, juntava no relvado uma série de talentos (Bernardo, Mahrez, Gundogan, Sterling, Foden) que não só faz ruir argumentos de quem via auroras num novo reino do “futebol físico” como prova que o modelo pode funcionar mesmo em Inglaterra e ser ter os que, como Messi, Xavi e Iniesta, já foram criados “para aquilo”.
A equipa voltou à criatividade individual sem desprezar a organização coletiva, à mobilidade sem anarquia, às ideias que rompem como o óbvio, sejam os laterais que constroem por dentro ou a ausência assumida de um qualquer avançado puro. E o carrossel voltou a funcionar. E a ganhar e a encantar. O melhor é uma abstração, sempre discutível, subjetiva, não há como negar. Nem génios óbvios como Shakespeare ou Mozart foram unânimes ou facilmente reconhecidos. No futebol houve vários num século, fossem mais revolucionários táticos ou ganhadores de títulos. No entanto, e sobretudo em décadas recentes, nenhum outro foi, ao mesmo tempo, as duas coisas. Por isso Guardiola é o melhor. E será."
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