"Ao comentar em directo o golo de Joshua Kimmich, frente ao Dortmund num estádio vazio, Luís Cristóvão disse, e cito de memória, “tenho a certeza que 100% dos nossos espectadores se vão lembrar deste golo por vários anos”. Lamento, meu caro Luís, acho que o belíssimo golo de Kimmich cairá rapidamente no nosso esquecimento.
A memória colectiva está a esfumar-se. Não só no futebol: a quantidade de séries, discos, filmes ou livros a que temos acesso rápido e facilitado faz com que seja difícil acompanhar “as tendências”. Tirando casos pontuais, conseguimos esquecer rapidamente um golo que vimos dezenas de vezes num determinado fim-de-semana, e que foi partilhado por milhões de pessoas nas redes sociais porque rapidamente surgiu outro que o substituiu no nosso imaginário. Nos anos 90, delirámos uns anos seguidos com os golos de Ronaldo em Barcelona, sofremos com a sua lesão, quando ele regressou no Mundial asiático os golos ao Compostela ou ao Valência pareciam que tinham acontecido…há menos de um ano.
Em tempos de pandemia, a maioria dos órgãos de comunicação social ligados ao desporto teve que parar e ir ao baú: contar histórias de jogadores antigos, revisitar jogos do passado, recordar efemérides. No meio da angústia que muitos de nós vivemos, para quem gosta de futebol esta ida ao passado foi um bálsamo. Na vertigem dos dias pré-covid, às vezes era difícil ter tempo para acompanhar tudo o que se passa, quanto mais parar para recordarmos coisas de há 20 ou 30 anos. Espero que esta opção (?) estratégica dos últimos meses possa ter alguma continuidade.
Mas não só os órgãos de comunicação social têm essa responsabilidade. As próprias organizações devem tentar parar para pensar nos modelos competitivos. A juntar à habitual profusão de informação sobre futebol – variada e com qualidade, basta saber e querer procurar – somos ainda diariamente confrontados com outro tipo de abundância, a dos jogos grandes. Todos os fins-de-semana, ou melhor, todos os dias de um período que começa na sexta à noite e muitas vezes acaba na segunda à mesma hora, temos direito às vezes a mais do que um jogo especial para assistir, sempre em latitudes variadas para satisfazer o maior número de pessoas possível. E depois até a maior competição de futebol da Europa, a Liga dos Campeões, cai nesta lógica. Demasiados jogos pouco competitivos durante demasiado tempo – na fase de grupos até pode haver muitas vertentes tácticas para apreciar mas eu perco-me no catálogo futebolístico da mesma forma que fico sem saber por onde ir na página inicial da Netflix. E se fosse então pegar no exemplo da Liga Europa ou da Taça da Liga em Portugal - é mesmo necessária uma competição sobre a qual teremos pouquíssima coisa a dizer dentro de 20 anos? Em 2040, numa próxima pandemia e quando o futebol voltar a parar três meses será que os media vão relembrar jogos da taça da liga? Duvido.
A solução não passa, evidentemente, pela criação de super ligas europeias. A elitização do futebol não é o caminho, mas sim a inclusão: dar a oportunidade a mais equipas de poderem ter as suas páginas douradas rememoradas quando o futebol não for possível de ser jogado e só nos restar vasculhar o baú. Porque, como adeptos neutrais, é com enorme gozo que gostamos de recordar ou conhecer a história de vencedores inesperados como Hellas Verona, Zaragoza, Lens, Roma, Boavista ou Nottingham Forrest. Mas se só houver espaço para brilharem sempre os mesmos, ainda que com as suas próprias narrativas, mais rapidamente chegaremos a um ponto de saturação."
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