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sexta-feira, 15 de junho de 2018

Sabe quem é? Para a Luz foi de alcofa - Fernando Santos

"A mãe estava a ver o Benfica e por causa da neve não o amamentou mais; Rasgou as calças, mudou o destino

1. O pai era vendedor de acessórios de automóveis - e ele tinha 40 dias na primeira vez que foi ao futebol, a mãe levou-o dentro de uma alcofa à inauguração do Estádio da Luz, a 1 de Dezembro de 1954: «Os meus pais eram apaixonados pelo Benfica, sempre tiveram lugar cativo no estádio, íamos à bola quase todos os fins de semana». Também o contou: «Deixei de beber o leite materno com dois ou três meses porque o meu pai e a minha mãe foram ver o Benfica à Covilhã, estava a nevar - e, assim, ela deixou de me poder amamentar».

2. Cresceu na Penha de França com tudo a servir-lhe para fazer de bola, se bola não houvesse, entretanto: as meias da mãe, um jornal embrulhado, a bolinha dos matrecos. «Jogávamos nas sarjetas - ou de porta a porta, a rua tal contra a rua tal, na Praceta António Sardinha». Era-lhe quente o encanto, mas não: por essa altura não pensava, como os demais, ser jogador muito a sério.

3. O pai fora guarda-redes no Operário da Graça - e foi igualmente como guarda-redes que ele fez os primeiros desafios em torneios: «pedíamos uns trocos para pagar umas camisolas e, uma vez, até cheguei à final». Andava já na Escola Afonso Domingos quando, num jogo de rua, rasgou as calças. Ao voltar a casa, ralharam com ele, decidiu-se, num fogacho: «Não vou jogar mais à baliza, vou ser avançado».

4. Já avançado chegou à selecção da Escola Afonso Domingos, um dos seus companheiros era Augusto Inácio - e de lá saltitou para o Operário da Graça: «Treinávamos duas vezes por semana e só tinha a ideia ir para engenheiro».

5. Dois amigos que estavam nos juvenis do Benfica desafiaram-no a experiência na Luz. Acabara de fazer a admissão ao curso de Electrónica na ISEL: «Entrei à candonga, porque era preciso um postal qualquer, e eu não o tinha. Era trinta e tal miúdos e só via os outros a correr atrás da bola. Não estava para aquilo e pus-me a defesa central, eu que era médio. Defesa central é uma força de expressão, estava lá para trás, era tanta gente que eu sabia lá onde estava a jogar».

6. Ao fim de 20 minutos de teste, Ângelo, o Ângelo Martins que fora bicampeão europeu, chamou-o para saber a sua idade. Ao ouvir: «17 anos, senhor» - mandou-o tomar banho, com um aviso: «Depois vai ter comigo à sauna». Ainda lhe perguntou se jogava nalgum lado, ele disse que sim, na Graça - e mais: que acabara de entrar no curso de engenharia.

7. Ficou decidido na hora também davam-lhe 1000 escudos por mês (10 contos recebia Damas no Sporting) - e ainda lhe pagavam a universidade. Eufórico, correu a apanhar o eléctrico para dar a boa nova em casa e ao soltá-la: «Vou jogar no Benfica!» - o pai atirou-lhe água para a fervura: «Vais é estudar!» Fizeram, então, o acordo: mal apanhasse um chumbo deixava o futebol.

8. Durante toda a época foi titular indiscutível nos juniores. Nas meias-finais do campeonato o Sporting foi ganhar à Luz por 3-1: «Um dos golos foi todo culpa minha. Como perdemos, o senhor Ângelo pôs-me a treinar de manhã e de tarde e aquilo apanhou-me numa fase de exames. Disse-lhe: 'Não aguento, estudo a noite toda'. Mandou-me embora. Chamou-me para a segunda mão, em Alvalade, deu a constituição da equipa eu não estava no 11. Não estranhei, só estranhei quando disseram que era o guarda-redes suplente. Equipei-me, aguentei 20 minutos no banco e saí. Não estava para aquilo...»

9. Foi naquele instante que tomou resolução que julgava inabalável: «Dedicar-me só ao curso, jogar apenas na equipa do bairro. Por isso, estando de férias nas Gaeiras, pedi ao meu pai que fosse ao Benfica buscar a carta que me libertasse. Ele foi e, por acaso, encontrou o senhor Cabrita na secretaria que lhe perguntou: Então?! E o Fernando?! O meu pai explicou-lhe: O quê? Deixar o futebol? Agora, que o senhor Hagan me tem perguntado tanto por ele?!...»

10. Ao fazer 18 anos tirara a carta, o pai dera-lhe um Mini. Não deixou o futebol, acabou por deixar o Benfica - foi para o Estoril em meados de 1971. O resto é o que se sabe: que a eternidade não foi como jogador que ganhou, foi por ter ganho o Euro-2016 como ganhou."

António Simões, in A Bola

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