"A vertigem preside ao início do Campeonato do Mundo, uma esmagadora festa de futebol que ontem começou com um aperitivo medíocre - a Rússia esmagou a Arábia Saudita - e um banho de lisonja a Vladimir Putin, acompanhado no palco pelo rei da Arábia e por Gianni Infantino, presidente da FIFA, cujo gesto de satisfação transmitiu um ar entre perturbador e obsceno. Sentado entre os dois presidentes, Infantino era um homem feliz. Subordinado do sombrio Sepp Blatter durante anos, o sorridente advogado suíço aproveitou o seu grande momento. No palco do Estádio Luzhniki, presidiu ao seu primeiro Mundial. É assim que se escreve a história na FIFA: Blatter operou na sombra dos escritórios para suceder ao corrupto João Havelange e nos mesmos escritórios calculou Infantino a sua estratégia para a sucessão de Blatter. Histórias de traições e vassalos ambiciosos. Estas são as pessoas que governam o futebol.
Em Espanha, o Mundial é por agora um sonho ruim. O caso Lopetegui causou um choque gigantesco, sem possibilidade de acordo. Em condições normais, o duelo com Portugal causaria um tsunami de informação. Poucos jogos oferecem melhores ingredientes para os adeptos: a velha rivalidade de dois países vizinhos, o confronto com o actual campeão europeu, a presença de várias estrelas de renome mundial, com Cristiano Ronaldo à frente, e a tensão que sempre gera o primeiro jogo. No entanto, ninguém em Espanha fala desse jogo fundamental. O foco da informação não sai do triângulo Real Madrid-Lopetegui-Federação Espanhola de Futebol.
Um dia antes do Espanha-Portugal, o Real Madrid apresentou Julen Lopetegui como o novo treinador. O presidente Florentino Pérez, apoiado pelo seu impressionante regimento mediático, pretende transferir para a Federação Espanhola a responsabilidade da situação dolorosa que a equipa nacional vive na Rússia. A realidade é muito diferente. O Real Madrid contratou o seleccionador espanhol três dias antes do início do Campeonato do Mundo e anunciou-o imediatamente no seu seu site oficial. A Federação Espanhola respondeu da forma que se espera de uma empresa: agradeceu os serviços prestados a Lopetegui e substituiu-o por Fernando Hierro.
O conflito é de tal magnitude que "escondeu" o Mundial e todas as suas previsões informativas. Cristiano, por exemplo, tem sido uma personagem anónima nos últimos três dias. Pela primeira vez desde que chegou a Espanha, há nove anos, ninguém está preocupado com os seus problemas e reivindicações. As suas famosas declarações após a final da Liga dos Campeões - Cristiano insinuou que abandonaria o Real Madrid - deixaram entender uma estratégia de longo alcance. Cristiano é mestre na gestão mediática dos seus assuntos profissionais. Com a ajuda do seu fiel círculo de colaboradores, converte cada verão num fluxo constante de rumores e declarações evasivas. A partida com Espanha garantia-lhe os holofotes sob os quais se move tão bem e a atenção voraz da imprensa espanhola. Mas desta vez não o conseguiu. Foi-lhe negado pelo seu clube, o Real Madrid, com a contratação de Lopetegui.
A atenção em relação ao jogo tem sido escassa, mas no final falará o futebol. Espanha transformou-se numa incógnita. Ninguém sabe qual vai ser a resposta da equipa ao despedimento de Lopetegui e à nomeação apressada de Fernando Hierro como seleccionador. Ainda que não seja fácil gerir uma situação tão delicada, Espanha dispõe de uma esplêndida colecção de futebolistas. Uma equipa que pelo talento, versatilidade e experiência competitiva está muito próxima daquela que ganhou o Mundial 2010. O problema é que se sente abandonada, em autogestão. Não há pior maneira de começar o torneio mais importante do Mundo.
A visão espanhola da selecção portuguesa sempre foi dominada pelo mediatismo de Cristiano Ronaldo, um erro que agora ainda se agrava mais. Portugal é muito mais do que a sua grande estrela. Os dois últimos anos produziram uma brilhante geração de jogadores, a que se junta agora Bernardo Silva, o típico futebolista capaz de gerar caos na defesa espanhola. Portugal conquistou o último Europeu e agora já sabe o que é ganhar um grande torneio. E no futebol, já se sabe, o êxito é viciante."
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