"Está em curso mais uma campanha para incluir os videojogos como modalidade olímpica. Já há apostas, doping, merchandising e patrocinadores, só falta o reconhecimento
Está em curso mais uma campanha para incluir os videojogos como modalidade olímpica. Já há apostas, doping, merchandising e patrocinadores, só falta o reconhecimento.
Não deixa de ser curioso que haja quem pague para ver adolescentes borbulhentos a acariciar joysticks durante dias a fio, chupando bebidas energéticas e comendo, com nenhuma metafísica, chocolates. Mais curioso será chamar a tal actividade “desporto”. Embora seja curial conceder quão ténue é a linha que separa o jogo do desporto, já será de exigir uma fasquia mais elevada no que respeita à classificação de um determinado jogo como modalidade olímpica. Afinal, a exaltação do corpo, do esforço físico, da superação dos limites humanos e da competição entre atletas não parece conviver muito bem com os denominados “eSports”.
A partir do momento em que há televisões dedicadas ao fenómeno desportivo, funcionando em permanência 24 horas por dia, aumenta a possibilidade de um qualquer “jogo” ter tempo de antena e, por consequência, telespectadores. Onde há público, há receita publicitária, logo haverá merchandising, apostas desportivas, lavagem de dinheiro proveniente de actividades ilícitas, doping de atletas, viciação de resultados desportivos, insultos entre dirigentes, agressões de e por adeptos, “justiça desportiva” por oposição à justiça, comentários quanto à moral sexual das progenitoras dos árbitros, programas televisivos permanentes de exegese do fenómeno videodesportivo, publicações e websites especializados, campeonatos locais, regionais, nacionais, europeus, mundiais, galácticos e extragalácticos, medalhas, prémios, joy- sticks de ouro e teclados de prata,...
Porque haveria o desporto de ser estranho ao processo de alienação em curso? Se os seres humanos já passam mais tempo por dia na realidade virtual imposta pelas redes sociais do que a dormir, numa Comic-Con sem fim, por que bulas não devemos todos ser considerados atletas olímpicos de Pac-Man? Nos videojogos somos sempre melhores do que na realidade. No Second Life todos são mais belos, mais jovens, mais atléticos. A religião foi substituída como ópio do povo pela realidade virtual. A realidade virtual é a única deusa, e o videojogo o seu profeta.
Proponha-se que a entrada dos videojogos para a categoria das modalidades protegidas pelo olimpismo se faça sem restrições. Não há que limitar a natureza dos jogadores de videojogos à categoria humana. É de apoiar a inclusão de humanóides, robôs, computadores e programas de software. E nada de limitações picuinhas como as que promoveriam a competição dentro de cada categoria, humanos com humanos, humanóides com humanóides, robôs com robôs... Elogiando postumamente o grande atleta Tarzan Taborda, que se celebrizou na modalidade a que chamava “Vale tudo!”, incompreensivelmente conhecida como wrestling nos EUA, há que promover a luta de todos contra todos e que ganhe o melhor.
No novo Olimpo em que o Facebook é um deus menor, o Instagram um semideus, o Twitter um arcanjo e o WhatsApp um santo, que hipóteses há para os humanos poderem competir? Estarão os videojogos viciados por uma inteligência não humana que nos condena a jogar até perdermos a condição que nos identifica? A segunda versão das leis da robótica desenhadas por Asimov incluía a protecção da humanidade pelos robôs, reconhecendo tacitamente a incapacidade da humanidade para se proteger a si própria.
Caro e benigno leitor, adivinhe quem vai ganhar os Jogos Olímpicos do futuro?"
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