"Este Benfica é literário. Respeita a estrutura clássica de uma personagem: começar bem, a ganhar; destruir-se; lutar para voltar ao topo. Um ordenamento que serve para quase tudo o que se queira contar. Este Benfica respeita a viagem.
No futebol, quando se está mal mudam-se as referências em campo ou o treinador. Não me lembro de uma outra equipa - do Benfica ou de outro clube - que tenha passado de vencedora a humilhada e, agora, sem mudar jogadores ou treinador, a potencialmente vencedora outra vez. Este mesmo grupo que chorou na final da Liga Europa e viu Jesus ajoelhado no Dragão está em posição de reentrar no estádio do rival portista campeão e chegar outra vez à final europeia,completando, pela tal ascensão literária da destruição do heroísmo, uma das mais emocionantes histórias do Benfica.
Nunca integrei o grupo de jornalistas que escreveram que «não havia condições», «Cardozo o Jesus!», «que o Benfica não se podia dar ao luxo de não ganhar». Sempre achei que esses estranhamente se esqueciam de que o Benfica começou a perder a todos os níveis para o FC Porto já no final dos anos 80 e, logo, eles próprios deixaram essas análises repetidas do divino e imutável Benfica agarradas a esses dias. Acaba por ser irónico, até, como o estilo vaidoso, muitas vezes desmedido, de Jesus se enquadra numa ideia de humildade, capaz de perceber que o Benfica não tem direitos adquiridos, precisa de trabalho e tempo. Que mesmo no Benfica uma época de títulos perdidos pode ser boa.
Durante 30 anos o clube experimentou jogadores e treinadores de todas as nacionalidades e idades. E só agora que escolheu um treinador e um grupo rebusca as capacidades que durante anos existiram apenas na tais análises congeladas que só opinam em dois sentidos: ou o Benfica ganhar e o mundo está direito, ou perde e logo sugerem que se mude tudo porque o mundo está ao contrário.
Aceitar perder até conseguir ganhar outra vez será, evidentemente, a vitória deste novo Benfica."
Miguel Cardoso Pereira, in A Bola
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