"Desde o 'Big Brother' que não assistíamos a despique Moniz-Rangel, ainda que o actual seja irmão do outro e Moniz passe a ser o homem a quem o Benfica entregará os direitos televisivos
A agenda da nossa Selecção obrigou a um período relativamente longo sem campeonato nacional, facto que não sendo de todo inédito aborrece francamente, e de uma maneira geral, os adeptos dos clubes para quem fim de semana sem bola a valer não é fim de semana não é nada.
A entrada em cena da Selecção por muito amada que seja, significa sempre um corte drástico nos níveis de adrenalina da malta toda. Julgo ter sido Ricardo Ornelas - ou terá sido Cândido de Oliveira? -, ambos foram com Vicente de Melo os fundadores de A BOLA, quem encontrou para a Selecção o feliz epíteto de «a equipa de todos nós», designação hoje caída em desuso mas que sintetiza adoravelmente e em bom português o espírito da coisa.
Ora se a equipa é «de todos nós» dificilmente nos poderemos zangar uns com os outros quando o tema vem à baila. E quando vem um maldito árbitro estrangeiro gamar a Selecção com uma ou mais decisões antinacionais, normalmente, estamos todos de acordo. É isto que dá cabo da adrenalina da nação. A falta de contraditório.
No Europeu de 2000, nas horas inflamadas de patriotismo que se seguiram àquele penalty convertido por Zinedine Zidane e que afastou a Selecção portuguesa da final da competição, o árbitro do jogo, um maldito árbitro estrangeiro, foi considerado unanimemente entre nós como um grande bandido que nos roubou o acesso à glória.
Foi preciso passar algum tempo, em alguns casos muito tempo, para que lentamente, vendo e revendo o lance, nos fossemos convencendo de que, em boa verdade, Abel Xavier cortou com a mão e dentro da nossa área, num gesto até um bocadinho disparatado, a trajectória da bola rematada pelo francês Sylvain Wiltord.
No momento do lance, a reacção de Abel Xavier foi perfeitamente aceite e entendida por unanimidade das nossas fronteiras para dentro. Estarão, certamente, recordados de que o bom do Abel Xavier foi-se ao árbitro e ao fiscal de linha como um valente portuguesinho de Aljubarrota e acabou suspenso meio ano pela UEFA por comportamento incorrecto, melhor dito, incorretíssimo.
Na altura, a quente, tudo nos terá parecido a todos - jogadores, técnicos, jornalistas, opinadores e povo em geral - que, uma vez mais, Portugal fora vítima de uma roubalheira internacional em benefício de uma grande potência e em desfavor dos pobrezinhos, nós.
- Se fosse ao contr´´ario, não tinha marcado - era a voz corrente, lembram-se?
É este, entre alguns outros, o mérito maior da Selecção Nacional, a tal «equipa de todos nós». Põe-nos a todos do mesmo lado e se é para embirrar com os árbitros, como às vezes acontece, é para embirrar com os de fora.
Por estas razões é que a adrenalina do País desce para níveis muito baixos quando a Selecção Nacional toma o lugar dos clubes no dia-a-dia dos adeptos.
Normalmente, seria assim - com grandes descontracção clubista - que se estaria por estes dias em que a Selecção de Paulo Bento andou a cumprir muito mal a sua agenda de trabalhos em função do Mundial do Brasil e relegou para segundo plano as nossas questiúnculas internas que são imensas como toda a gente facilmente reconhece.
Com o campeonato parado e à espera de vez, seria de crer que o tema fracturante da arbitragem portuguesa iria ter um período sabático para descanso de todos. Enganaram-nos. Enganámo-nos.
Com o campeonato parado e com considerável delay em relação aos acontecimentos a que se reportam, Benfica e Sporting voltaram a ser notícia na imprensa por causa das arbitragens nacionais na corrente edição da prova maior do futebol português.
Três semanas depois de um vice-presidente do Benfica, no caso Rui Gomes da Silva, ter anunciado ao País que o clube tinha sido «avisado» de que Carlos Xistra iria protagonizar uma arbitragem danosa para seus interesses no já remoto Académica-Benfica, vieram agora a público sete árbitros nossos compatriotas avançar com uma queixa formal ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol contra o referido dirigente.
É caso para se dizer que em Portugal, como é voz comum, a justiça é lenta, mais lenta é ainda às vezes a indignação dos injustiçados.
Aconteceu coisa parecida do outro lado da Segunda Circular.
Como é já tradicional - trata-se mesmo de uma antiquíssima tradição - o Sporting saiu derrotado da sua visita ao Porto e voltou a demorar uma semana - demora sempre uma semana - a reagir oficialmente contra os supostos erros da equipa de arbitragem presente no evento.
São estes pormenores que, mais do que a Segunda Circular, dividem politicamente os dois grandes rivais da capital.
O Benfica quando vai jogar ao Porto normalmente também perde e normalmente passa a semana que antecede o dito clássico a queixar-se do árbitro nomeado apresentando como argumentos o elenco de todas as malfeitorias apensas ao currículo do juiz da partida. Por esta razão e mais uma carrada de outras razões, há décadas que não se vê um presidente do Benfica sentado ao lado do presidente do FC Porto no camarote VIP das Antas e agora do Dragão quando as equipas de futebol dos dois clubes se encontram frente a frente.
O Sporting é diferente. E é sempre com extraordinário e compreensível gozo da realização, que nas transmissões televisivas dos jogos entre os de Alvalade e os do Dragão aparecem sempre ao longo da emissão aqueles planos fixos em Pinto da Costa tendo sentado a seu lado, muito contentinho, o presidente do Sporting da ocasião.
O presidente do Sporting desta última ocasião chama-se Godinho Lopes e, tal como os seus antecessores, demorou uma semana a protestar contra a arbitragem de que, segundo ele, foi vítima na sua ida ao Dragão.
Sete dias passados sobre o FC Porto-Sporting, que terminou com a vitórias dos campeões nacionais por 2-0, Godinho Lopes anunciou numa confraternização de sportinguistas no centro do País que o Sporting ia «reclamar» contra os danos causados pela arbitragem de Jorge Sousa.
Até aqui tudo normal.
O mais estranho, e francamente estranho, foi a construção da frase que serviu a Godinho Lopes para publicitar a «reclamação» em curso. Atendem bem nas palavras do presidente do Sporting, tal como surgiram transcritas nas páginas dos jornais:
- Os árbitros não souberam olhar para o Sporting e conseguir servir para aquilo que foram convocados e eleitos - disse Godinho Lopes.
Assim não se vai lá, presidente Godinho Lopes.
Em primeiro lugar, porque os árbitros, por definição e estatuto, não têm de saber «olhar» para o Sporting nem para qualquer outra cor. Têm apenas de saber olhar para as Leis do Jogo, o que nem sequer é coisa transcendente.
Em segundo lugar, a ideia de que os árbitros «não conseguem servir para aquilo», deixa-nos a todos curiosos sobre o que será «aquilo». Ou será a quilo, medida de peso?
Em terceiro lugar, e de forma arrevesada, o presidente do Sporting parece querer manifestar o seu desagrado, ou mesmo arrependimento, por ter convocado e fazer eleger com o seu voto a actual estrutura que manda no futebol português, quer na Liga quer na FPF.
E voltemos à Segunda Circular, ao outro lado da rua, onde da parte dos vizinhos da Luz, apesar de já estarem «avisados», ainda não se registou uma assunção pública de arrependimento ou de desagrado pelo seu sentido de voto nas eleições da Liga e da FPF também não estar a ser correspondido com «aquilo» que verdadeiramente importa.
Rivais seculares, Benfica e Sporting andam, às vezes, parecidos em algumas coisas.
Ao que o «aquilo» chegou.
A bem da tradição democrática do clube, o Benfica vai ter eleições com duas listas. É agora o momento de falar. Como benfiquista que sou, faço votos para que a discussão seja boa e elevada, que os remoques pessoais não sejam o prato forte destes dias e que a Benfica TV trate com igualdade as duas candidaturas porque assim é que é de valor.
Há muitos anos, desde os tempos do Big Brother, que a sociedade portuguesa não tinha oportunidade de assistir a um despique Moniz-Rangel, ainda que o actual Rangel seja irmão do outro e o actual Moniz, sendo o mesmo, passe agora a ser o homem a quem o Benfica vai entregar a bandeira dos direitos televisivos na anunciada guerra com Joaquim Oliveira.
O Benfica está provado, é muito mais do que um clube."
Leonor Pinhão, in A Bola
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