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quinta-feira, 16 de novembro de 2023

‘Joãonevista’, ‘Antóniosilvista’, Benfiquista


"Falar de João Neves ou de António Silva é falar do Benfica naquilo que tem de melhor e mais especial

Devo ser sincero. Não dei a devida importância quando o momento-chave aconteceu. A razão da distração é simples: chegado aos últimos minutos do jogo, estava convencido de que íamos perder. Preparava-me, isso sim, para tirar as mais categóricas conclusões em relação a Roger Schmidt e a mais uma exibição errática. Contava atirar-me a alguns jogadores inoperantes e ao que mais houvesse para criticar nesta noite. Não ia deixar pedra sobre pedra, e não penso que estivesse sozinho na insatisfação. O Benfica esteve a poucos minutos de uma das noites mais longas e desconfortáveis dos últimos tempos.
Mas, de repente, tudo mudou. O momento-chave a que me refiro não foi uma substituição milagrosa nem tão pouco uma indicação tática. Também não foi, devo dizê-lo, o resultado da ação coletiva dos benfiquistas, que na sua maioria iam aceitando a triste sina de uma noite pouco inspirada. Não, o momento-chave deu-se quando os adeptos do Sporting, incapazes de conter o entusiasmo com uma vantagem mínima num estádio onde raramente vencem, decidiram cantar uns quantos olés numa troca de bola no meio campo, à espera que o jogo acabasse e o baile fosse deles.
Não tenho em mim a empatia necessária para saber o que é ser sportinguista. Só sei o que é ser um benfiquista a ver um jogo da sua equipa contra o Sporting. E devia saber que ninguém canta olés ao Benfica, muito menos os adeptos deste eterno rival, muito menos na Luz. Os sportinguistas, plenamente imbuídos do espírito que os leva a auto-denominarem-se «um clube diferente», exibiram os traços dos mesmíssimos adeptos de outro clube qualquer, e deixaram que a bazófia levasse a melhor. Acontece a todos. Dentro de campo, felizmente, houve quem estivesse atento e respondesse à letra. Assim se escreveu a história da noite apoteótica que deixou de rastos um benfiquista de quem gosto muito. Segundo as suas próprias palavras, foi uma das derrotas mais dolorosas da carreira de Rúben Amorim, treinador que espero um dia ver no Benfica. Compreendo o sentimento e, dadas as circunstâncias, só posso desejar que a sensação piore já na próxima jornada. Não é nada de pessoal, Rúben.
Para a dor de uns se tornar a saborosa felicidade dos outros, foi preciso mais do que intervenção divina ou justiça poética. E essa não aconteceu por acaso. Deu muito trabalho e exigiu muito Benfica. Nesta noite de domingo, aconteceu o que aconteceu porque dentro de campo estavam, entre outros rapazes esforçados, dois jogadores que representam o Benfica como mais ninguém neste momento: João Neves e António Silva. Não quero ser injusto em relação a outros atletas importantes do plantel, mas estes dois são diferentes. A cada situação de jogo em que revelam a sua tenacidade, o talento, a crença, a inteligência, ou a combatividade, eu reforço o meu benfiquismo e torno-me um militante joãonevista e antóniosilvista. Felizmente, tudo isto faz parte do mesmo molde criado em 1904. É uma redundância que dá gosto afirmar.
Falar de João Neves ou de António Silva é falar do Benfica naquilo que tem de melhor e mais especial. É um facto que falamos de um clube do tamanho do mundo, mas sinto que estes miúdos jogam como se fossem vizinhos de todos os Benfiquistas e soubessem que os vão encontrar amanhã de manhã no café do bairro. Há uma pressão e uma responsabilidade de não desiludir os seus. Invoco esta consciência de comunidade para explicar que o Benfiquismo destes miúdos contém um desafio adicional, que eles têm superado com rara distinção.
A João Neves e António Silva não basta apenas serem Benfiquistas e exibirem isso dentro de campo. Pela galhardia e pela paixão que têm demonstrado, os miúdos Neves e Silva conseguem algo que raramente acontece : as suas ações são uma singular junção de átomos que dá mais vida ao Benfica. Isto pega-se. O espírito exibido por eles dentro de campo reforça a paixão e o entusiasmo de todos os outros adeptos. Não é apenas representar o Benfica. É, de certa forma, aquilo que ao longo de mais de 119 anos, nas ações de muitos magníficos, fez o Benfica e lhe somou grandeza. É diferente de passar por cá. É passar por cá com a tremenda ambição, e igual dose de humildade, de pensar que deixarás o clube melhor do que quando lá chegaste. Eu acho que estes dois trabalham todos os dias por isso. Aliás, tenho a certeza. É uma sorte. É a nossa sorte. Não é todos os dias que damos de caras com a essência de um clube tão bem refletida em dois adolescentes nascidos para liderar.
É inconcebível para um João Neves ou para um António Silva que não deixem tudo no relvado e não façam tudo para vencer. É inconcebível que um deles não admita os erros cometidos quando estes acontecem. Há quem seja bom contador de histórias, há quem seja bom político e há quem seja bom em marketing, e depois há quem pratique a verdade. Se um pula de alegria, o outro vai ter com ele lá acima. Se um beija o emblema, o outro grita o nome do clube. Se João Neves se deixa levar na loucura do momento que dá o empate, logo aparece um António Silva a empurrá-lo para o centro do relvado porque há um jogo para vencer. Não é por acaso que há tantas imagens bonitas da noite de domingo. É mesmo por amor ao Benfica.
Todos sabemos que a época não tem sido fácil, mas o facto é que o Benfica segue em primeiro lugar na liga. Por outro lado, falhou um objetivo muito importante na Liga dos Campeões e terá agora de redobrar esforços para elevar o nível exibicional, ainda aquém da revelada em 2022, e arrancar de vez para o que falta desta época, que é muito e muito importante. Depois de um jogo como o de domingo, em que a vitória sorriu a quem nunca deixou de acreditar, só posso esperar que todos, começando por Roger Schmidt, e passando pelos jogadores, acreditem que a época vai ter o final feliz que todos merecemos. Que façam cada vez mais por isso. Na dúvida, já sabem: sigam o exemplo dos miúdos. Se depender deles, vai acontecer."

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