"Em 1953, uma seleção de Trindade e Tobago fez uma digressão a Inglaterra - com Matthew Nunes e Joey Gonsalves.
A viagem entre Port-of-Spain, na ilha de Trinidad, e Scarborough, em Tobago, é de três horas num ferry confortável como poucos e que anda suficientemente devagar para que vamos apreciando os contornos de Saint James, Point Gourde, e as ilhotas de Chacachacare e Monos, portões de entrada daquilo a que chamam Bocas del Dragón, o verde das árvores da borracha e das casuarinas que se atiram com brusquidão pelas encostas e mergulham num azul tão brilhante que se torna impossível de descrever. Se Port-of-Spain já exibe, com orgulho, meia dúzia de arranha-céus espelhados (não tão altos quanto isso), acompanhando a moda que se implantou nos países do Golfo Pérsico, Scarborough é uma terriola desengraçada onde não se consegue dar uma dentada em nada melhor do que um seco frango assado há horas apesar de, depois de tomarmos a Winward Road em direção a norte, podemos finalmente entrar naquelas praias de areia branca que são tão boas para postais como para escurecer um pouco o coiro já amolecido de tantos e tantos quilómetros de avião, carro e barco. Podemos, por outro lado, atravessar Orange Hill, pasar por Arnos Valley e Plymouth e descer até à baía de Fort James. Se Trinidad é uma ilha cheia de altos e baixos - o ponto mais alto do país é o El Cerro del Aripo com 940 metros de altitude (ou será de altura?), a sua irmã gémea mais pequena, Tobago, prima por ser mais lisa.
Acho que, até dois rapazes idos desta parte para jogarem na Académica pela mão do meu amigo To-Zé Francisco, os portugueses pouco ligaram a Trindade e Tobago. Mas nem todos. Entre 1834 e 1975 um caterva de madeirenses foi à procura de melhores condições de vida num par de ilhas que, tirando a areia branca, nada devem à deles. Os açorianos vieram depois. Uns e outros eram, na maioria, judeus, e nomes portugueses são ainda fáceis de encontrar na comunidade marrano do país. Parece que, ao todo, terão sido cerca de dois mil. Mas eu, se fosse a si, não me fiava nas contas. Depois seguiu-se um acordo económico com a Inglaterra no qual os ingleses se obrigavam a contratar uma primeira leva de 250 madeirenses para trabalharem nas ilhas, seguida de outra, posterior, de 773 - não admira, portanto, que encontremos, aqui e ali, casas de comercio chamadas Ferreira ou Fernandes. E sobretudo duas associações com peso na comunidade local: a Associação Portuguesa Primeiro de Dezembro e o Portuguese Club.
Os anos 50 foram fervilhantes para o futebol tobaguenho - a pesar de Trinidad ser a maior das ilhas, os habitantes são geralmente referidos como os da ilha mais pequeña. Sobretudo quando, em Agosto de 1953, uma seleção de jogadores de Trindade e Tobago embarcaram no SS Golfito em direção a Inglaterra para fazerem uma digressão na qual pudessem mostrar a qualidade do seu futebol. No dia 24 de agosto o navio atracou no porto de Southampton. Estavam agendados 13 encontros contra equipas mais de pacotilha, como aconteceu com o Dorset, na estreia, derrota por 3-7. Ninguém estava à espera de muito melhor. Afinal era a primeira vez que uma equipa de Trinidad e Tobago abandonava o conforto morno aqui das suas ilhas para jogar no estrangeiro.
Apesar de tudo, os tobaguenhos tinham a sua dose de orgulho e não estavam para fazer figura de bacocos em todos os jogos. Por isso, na segunda partida, contra o Somerset, tiraram-se das suas tamanquinhas e trataram de ganhar por 1-0 para enorme alegria do grupo de aventureiros que fora deste lado do Atlântico onde me encontro. O golo foi marcado por Matthew Nunes, um filho de portugueses, habitual titular da seleção e que era tão considerado na região que foi chamado por diversas vezes à Seleção das Caraíbas que se juntava de vez em quando para jogar sobretudo com os Estados Unidos e México, ou com seleções de países da América Central.
No total, os tobaguenhos realizaram 14 jogos entre os dias 16 de agosto e 10 de outubro. Naquele tempo uma digressão era um caso sério, no verdadeiro sentido do termo. Perderam frente ao Blackburn Rovers (o adversário menos pindérico) por 1-4 e face ao Lovell’s Athletic (1-2), Barnstaple Town (1-2), Plymouth Argyle (0-3) e Corinthian League (2-4).
Andrew Delapruche, um poeta tobaguenho, escreveu certa vez:
«Absolutely nothing stops the pipeline
it penetrates all ways of life
all borders, all villages & towns
the pipeline kills everything in its path if it dare stand in the way
of its progress
with black gold funneling back to the
land of the free».
De repente, os homens da terra da gente livre, rebelaram-se: venceram o Ilfracombe Town (2-1), o Torquaay United (4-0), e a Seleção da Cornualha (6-3 e 4-2). Imparáveis como o pipeline Mattew Nunes foi dos melhores e marcou cinco golos. Mas o herói de Trindade e Tobago também tinha sangue português: Joey Gonsalves, filho de açorianos, guarda-redes e capitão de equipa. Deram-lhe a alcunha de Curry Man. O Homem-Caril cujas defesas faziam crescer água na boca..."
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