"A admirável série televisiva Dark, de produção germânica, explora as implicações existenciais e os efeitos dos saltos temporais na mente humana. Dividindo a quarta dimensão em ciclos de 33 anos, são criados loops, onde as histórias se repetem eternamente num ciclo sem final aparente, criando paradoxos pelo caminho e pondo em causa a perspectiva linear do tempo.
Estamos em 1982. Um rapaz sueco chegava a Portugal com a UEFA debaixo do braço: Eriksson era um jovem talentoso, mas a sua idade criou desconfianças inicialmente. Assente no seu 4-4-2 vertiginoso e abrigando-se do sol nas abas largas do seu panamá da Macieira, o sucesso não demorou a aparecer e, assim, poucas foram as vozes que se atreveram a questionar as opções tomadas. Numa equipa recheada de qualidade individual, Sven entrega o comando do seu meio-campo a um rapaz calmo, tímido, que raramente se exaltava e jogava de pantufas. De aspecto franzino, Shéu Han, seu nome, fazia da inteligência e da gentileza as suas armas como grande recuperador de bolas, num trajecto profissional sempre de mãos dadas com o Benfica.
Ora, 33… não, 37 anos depois, Bruno Lage assume o Benfica, num clima de incertezas várias, derivado do seu parco currículo. Era uma opção a prazo. Igualmente fã de um 4-4-2 eléctrico, impõe as suas ideias naturalmente e os resultados tornam-se avassaladores. De fininho, foi introduzindo os meninos da B e entrega a batuta do meio-campo a um Florentino Luís que em tudo se assemelha à lenda benfiquista: pouco expressivo, nunca exaltado, sempre leal e com as mesmíssimas pantufas calçadas. Orgulhosamente e sem grandes dramas, Florentino Ibrain Morris Luís percorre todo o centro do terreno pedindo com licença, tirando a bola muito educadamente dos pés adversários e a entregá-la, limpa e bem cuidada, nos homens da frente encarnada.
Florentino só abre a boca para, aqui e acolá, ser educado. Mentalmente, tira um raio-x do campo e guarda as coordenadas de cada adversário. A seguir, calça as pantufas, corrige a postura e dirige-se a cada um deles: “peço desculpa, era uma bola, por favor” e tira-a, nunca de forma brusca. O 10 adversário vai a passar e quando dá por ele, tem um rapaz educado a tocar-lhe no ombro, “boa noite, queria uma bola, se faz favor”, e puff. É um requintado pedinte. A sua esmola, que é uma bola Select de motivos vermelhos em fundo branco, é a única coisa de que precisa para ser feliz e manter-se vivo.
Quero então acreditar que a série está correcta: Florentino é Shéu, Shéu foi Florentino e assim será sempre, num ciclo interminável de desarmes limpos e linhas de passe bloqueadas. Os dois, que são um, a mesma pessoa, combinaram separar-se para ensinar boas maneiras num campo de futebol e, consequentemente, na vida. Quiseram demonstrar que o futebol não é só para brutos e que, um trinco, para ser genial, pode pregar a palavra de Paula Bobone por esses estádio fora."
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