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quarta-feira, 18 de julho de 2018

Política e futebol abraçaram-se no melhor Mundial. Mas, o melhor futebol foi em 1982

"A política andou de braço dado com o Mundial da Rússia. O país organizador foi exímio na organização, a Inglaterra do Brexit uniu-se à volta da selecção, a história voltou aos Balcãs, a França multiétnica tornou a vencer 20 anos depois, e a FIFA prepara politicamente a edição de 2022.

Ainda não é desta que o Mundial 1982, realizado em Espanha, deixa de ser, para mim, o melhor campeonato do mundo. Falo do ponto de vista desportivo e da sua envolvência. A equipa de sonho do Brasil, os escândalos que antecederam com a selecção italiana e o futebol transalpino (compra de resultados) que apimentaram a competição, sem esquecer a redenção de Paolo Rossi e a surpresa do outsider Camarões. Mas não só.
Recordo com nostalgia o espectáculo de Sandro Pertini, presidente italiano e uma das figuras da competição fora de campo. Ao lado, o hirto Rei Juan Carlos, monarca de Espanha, na tribuna presidencial do Estádio Santiago Bernabéu, em Madrid. À memória ocorre-me a espontaneidade dos festejos dos golos na final entre a Itália e a República Federal da Alemanha (RFA), quebrando a rigidez protocolar até então em voga.
Por mais que o actual presidente francês, Emmanuel Macron, de camisa e gravata, celebre de braço no ar; ou mesmo considerando as quebras de protocolo e sentidas lágrimas derramadas pela presidente da Croácia, Kolinda Grabar-Kitarović, camuflada como a nova pop star da política europeia, nada se assemelha aos festejos daquele senhor de provecta idade, numa Europa composta então por líderes eternos — François Mitterrand (França), Helmut Schmidt (RFA) e Margaret Thatcher (Reino Unido), entre outros que viriam a ocupar cargos nesse ano e seguinte, como sejam Felipe González, em Espanha e Helmut Kohl, na RFA e o italiano “Bettino” Craxi.
É claro que o Mundial da Rússia ganhou sem dúvida o título de melhor a nível organizativo. O próprio presidente da FIFA, Gianni Infantino, assim o caracterizou e, na qualidade de jornalista que esteve na Rússia, em duas cidades, Moscovo e Sochi, posso testemunhar a excelência da mesma. 
Nenhum detalhe escapou. Segurança, transportes, informação, o exército de voluntários, a magnificência dos estádios, os meios disponibilizados e tudo o mais a montante e a jusante. Nada falhou. Nada faltou. A Rússia de Putin mostrou-se ao mundo como uma “senhora” que tem a casa bem arrumada e que sabe receber. E durante um mês não se falou de gasodutos, Síria, diplomatas, nem de mão russa na divisão da Europa. Só de bola.

O triunfo do país do presidente Júpiter
E por falar em casa, o percurso da Inglaterra pode ter um alcance muito para além do relvado, provando que política e futebol andam de mãos dadas desde o início destas competições.
Com a primeira-ministra Teresa May (que andou mais por Bruxelas do que nos palcos futebolísticos) e o país a viver um drama político interno derivado do Brexit, a equipa de Gareth Soughate (já apresentado como o novo homem inglês) teve o condão de unir uma Nação dividida pela saída da União Europeia.
O povo britânico uniu-se à volta da camisola dos “três Leões” e dos 23 jogadores que disputaram o Mundial. E não parece ser apenas um acaso, uma explosão temporária de fervor patriótico. Há algo mais à volta de uma selecção que se virou para os quatro cantos da Ilha, contrariando o típico centralismo de Londres, e que é actualmente composta, por exemplo, por jogadores de herança afro-caribenha que mostram a realidade em que se tornou a Terra de Sua Majestade.
A herança de outros países numa selecção é um tema que surge, de forma repetida, em França. Foi assim em 1998, quando Jean-Marie Le Pen, então líder da extrema-direita se insurgiu contra as diversas nacionalidades, do “argelino” Zidane ao “senegalês” Patrick Vieira, que compunham os “Le Bleus” e que viriam a conquistar o título mundial.
A expressão multiétnico ganha novamente dimensão com a França a ser porto de abrigo de jogadores com sangue descendente de Espanha, Filipinas, Mali, Mauritânia, Senegal, República Democrática do Congo, Haiti, Angola, Camarões, Guiné, Marrocos, Togo, Martinica e Guadalupe. E tal como há 20 anos, a França ganha o título.
Numa era em que a Europa questiona o seu papel no mundo, Macron, o presidente jupiteriano que já antes se tinha empenhado pela “vitória” da França na organização dos Jogos Olímpicos 2024, irá, decerto, retirar dividendos desta conquista por parte da pátria de Chauvin, uma vitória que parecia estar escrita que iria mesmo acontecer.

“Os Balcãs produzem mais história que aquela que consomem”
As questões de políticas, sempre presentes, entraram, por duas vias, pela porta da selecção croata, recuperando a fórmula de Churchill: “os Balcãs produzem mais história que aquela que consomem”. 
À medida que avançava na competição e encantava o mundo, foi feita externamente uma revisitação do passado nazi, um tema recuperado das ligações à Alemanha durante a 2ª Guerra Mundial. A própria presidente, eleita pela União Democrática Cristã, partido de linha nacionalista, foi ela própria alvo deste revisionismo fascista e de ligação aos nacionalismos.
Por outro lado, a selecção deste pequeno país balcânico, é um espelho da história mais recente do país, com muitos dos jogadores a serem apresentados como “os filhos da guerra” ocorrida entre 1991 e 1995.
A FIFA, que também é ela mesmo muito dada a questões do politicamente correto decidiu, respondendo a solicitações durante o evento e preparando o terreno, aconselhar as operadoras de televisão a não fazerem grandes planos de “mulheres bonitas”, antecipando, com 4 anos de antecedência, a realidade do Qatar 2022.
Por último, duas notas. Como curiosidade, Croácia, finalista vencido, Bélgica (3º) e Inglaterra (4º) foram recebidos como heróis nos seus países, enquanto em França a desordem foi a palavra de ordem nas ruas. E Vladimir Putin, nem 24 horas depois do melhor Mundial, voltou ao exercício da sua realpolitik e das afinidades ideológicas, num encontro ao mais alto nível, com Donald Trump, em Helsínquia, Finlândia."

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