"Depois das críticas em avalanche – com a França e a Bélgica a jogarem como jogaram no Mundial justifica-se, pelo menos, um galicismo neste texto – da imprensa desportiva do Brasil à débâcle – só mais um - dos canarinhos na Rússia, acabou por ser um artigo na secção de “Inovação, Ideias e Empreendedorismo” do conservador O Estado de S. Paulo a estar mais próximo de captar o momento do futebol local.
Numa reportagem com nuances (o último) de livro de auto-ajuda, os jornalistas explicam como lidar com o fracasso. Afirmam que no Brasil os jovens empreendedores tendem a entrar em depressão sempre que um novo negócio não resulta e, por isso, a regressar aos antigos, e mais seguros, empregos. Pelo contrário, lê-se no texto, os seus equivalentes dos EUA adoptam o mantra do Silicon Valley - “falhe muito e falhe rápido” – corrigindo apenas o acessório e persistindo na substância das suas ideias, como aconteceu com Jeff Bezos, que viu falirem projetos em série antes do sucesso da Amazon.
Nas páginas da imprensa desportiva, a maioria dos comentadores, tal como os empreendedores locais, não resistiu à tentação de se deprimir. E de execrar tudo, Neymar e Tite, incluídos.
Como à segunda-feira toda a gente acerta no totobola, o treinador foi acusado de ser teimoso por deixar Gabriel Jesus no onze mesmo sem marcar golos (uma teimosia que o finalista Didier Deschamps repete com Giroud e que prova que no futebol o que é verdade nuns casos, é mentira noutros), de errar ao promover um rodízio de capitães em vez de eleger um só (mesmo tendo em conta que em 2014 Luiz Felipe Scolari foi apontado por ter responsabilizado em demasia Thiago Silva) e de demorar a colocar Renato Augusto, autor do “golo-canto do cisne” brasileiro com os belgas (mesmo depois de terem exigido a sua saída do onze por meses).
Tite não fez tudo errado. Aliás, fez quase tudo certo em dois anos de trabalho na selecção. E Neymar, marcou dois golos, inventou duas assistências e driblou e rematou mais que toda a gente, segundo as estatísticas oficiais, enquanto esteve em prova.
As quedas e gritos patéticos do camisa 10 devem ser corrigidos: mas sem excessos de severidade nem de complacência.
Assim como o seleccionador, especialista em ganhar provas de longo curso nos clubes, necessita entender as particularidades de um torneio de tiro curto e letal.
Os dois fazem, no entanto, parte do que precisa só de acabamentos. O essencial das mudanças deve estar na reforma do calendário competitivo nacional, na valorização do Brasileirão (https://bancada.pt/futebol/opiniao/a-nba-do-futebol) e na gestão de carreira dos seus maiores talentos (https://bancada.pt/futebol/opiniao/samba-do-desperdicio), problemas, esses sim, estruturais.
Doeu à mais exigente torcida do Mundo perder para a Bélgica, quando a sua selecção parecia em fase ascensional? Os também belgas sofreram choques parecidos ao cair para Argentina e Gales nas duas últimas grandes competições internacionais. Mas souberam trocar o que precisava de reforma – saiu o inexperiente Marc Wilmots e entrou o hábil estratega Roberto Martínez – mantendo inalterado o núcleo duro, liderado pelo ritmista De Bruyne (talvez o mais próximo de futebolista total desde Cruyff), pelo solista Hazard e pelo front man Lukaku.
Ao contrário do que os brasileiros tentam azer com Tite e Neymar agora, os franceses não guilhotinaram Deschamps em 2016, por causa do golo de Éder no prolongamento, nem Griezmann, por estar uns furos abaixo de Messi e Cristiano Ronaldo. Souberam compreender. E persistir.
Também terá doído aos ingleses ver a geração de Terry, Ferdinand, Lampard, Gerrard, Beckham, Scholes, Rooney e outros ser eliminada às mãos de Ricardo em 2004 e 2006. Mudaram o ponteiro das prioridades para o futebol de formação e já começaram a colher frutos.
Por causa de outro Ricardo, o Quaresma, o estatuto de Modric e companhia não foi torpedeado na Cróacia após a amarga derrota de Lens para Portugal. O resultado, em forma de doces vitórias, está aí à vista.
O Brasil deve olhar para estes exemplos. E para o do hoje homem mais rico do mundo Jeff Bezos, se quiser protagonizar uma revanche (agora sim, o último galicismo)."
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