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quarta-feira, 18 de julho de 2018

Arrumar o Mundial com um campeão justo

"Já li e ouvi muita coisa acerca do Mundial ganho pela França, desde amantes do auto-apelidado “bom jogo” a queixarem-se de estarem perante o pior Mundial de sempre a defensores de um futebol mais sério e pragmático maravilhados com os despiques tácticos a que puderam assistir. Para mim, o Mundial foi bom, melhor do que os anteriores, até. E digo-o por várias razões, desde o facto de não termos assistido a tantas degolas de inocentes até à satisfação de termos coroado a melhor equipa como campeã. E isso pode até devolver-nos ao eterno debate entre o bom e o bonito, mas a questão a ter em conta é que o conceito de bonito não é universal.
Este Mundial teve de tudo. Teve golos em quase todos os jogos – a excepção foi aquele Franca-Dinamarca da primeira fase que já não contava para nada – e teve a mais baixa percentagem de resultados desequilibrados de toda a história da competição. Isso quer dizer duas coisas: que as equipas se apresentaram, regra geral, muito mais bem preparadas e capazes de entender e de anular os pontos fortes dos adversários, mas que mesmo assim chegaram quase sempre aos golos, muitas vezes através do aproveitamento dos lances de bola parada, que cresceram muito de influência em jogos que de outra forma seriam equilibrados. É verdade que custa ver duas equipas jogar durante hora e meia, bater-se em nuances tácticas e estratégicas, para depois tudo se decidir num canto ou num livre lateral, mas está para nascer o teórico capaz de me convencer de que isso é pior do que ver equipas incapazes sequer se compreender como é que o adversário lhes fazia mal.
Eu perceberia o desalento se, depois, este não tivesse sido um Mundial de proezas individuais. Mas foi. Tivemos a explosão de Kylian Mbappé, o primeiro adolescente a marcar numa final desde o Pelé de 1958 e protagonista de várias “cavalgadas” impressionantes de velocidade com a bola nos pés, como a que desbloqueou o França-Argentina. Tivemos a consagração de Luka Modric, gestor de ritmos com criatividade embutida no cérebro futebolístico, herói de momentos em que parecia entrar com bola no bloco adversário como que a caminhar sobre a água. Tivemos Kevin De Bruyne, outro tipo de gestor de jogos, mais científico e menos intuitivo, mas impressionante na capacidade para tomar sempre a decisão correta e mudar a cara a uma Bélgica que assumia os jogos mas era mais temível em contra-ataque. Tivemos Eden Hazard, Ivan Perisic, Antoine Griezmann, Paul Pogba, Thibault Courtois, uma jovem Inglaterra a prometer proezas já para daqui a dois anos... Tivemos até Ronaldo, ainda que apenas no jogo com a Espanha.
Depois, é certo que tivemos desilusões. Messi, Neymar, a Argentina, a Espanha, a Alemanha, o Brasil. Mas os Mundiais contam-nos sempre destas histórias. Quando não são uns, são ou outros. É só assim que se possibilita a renovação e se permite a consagração de um campeão com um onze base cheio de jogadores abaixo da chamada maturidade futebolística, geralmente apontada para os 27 anos. Esta França pode até nem ser uma equipa tão vistosa como a que perdeu o Europeu para Portugal, há dois anos, mas é uma equipa capaz de aliar fogosidade com capacidade para gerir os jogos como nenhuma outra na competição. Não gosta de ter a bola? E qual é problema? Não é bonito? Depende. Do ponto de vista do entretenimento sempre me satisfez mais o jogo esticado protagonizado nos últimos anos pelo Real Madrid do que o jogo de toque e retoque que tem sido a imagem de marca do FC Barcelona. Ambos têm as suas particularidades, as suas nuances de treino, as situações que os tornam admiráveis, mas depois se falamos de entretenimento, de bonito ou feio, isso já depende do gosto de cada um.
A mim, esta França satisfez-me a ponto de a considerar uma justíssima campeã do Mundo. Mais até do que há 20 anos, quando a final ficou marcada pelo efeito Ronaldo e o Brasil era mesmo a melhor equipa."

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