"Já se sabe que os êxitos nem sempre são filhos do melhor futebol e não é preciso ser um cientista da bola para se perceber que da Rússia saiu premiada a selecção mais embusteira. Outra França mestiça, outro hino à integração, mas também uma selecção gaulesa muito mais capaz de oferecer exuberância física e cinismo do que futebol supimpa. E, em vez do deleite que se deve exigir a um campeão do mundo, não foi por acaso que os elogios às suas prestações ficaram quase sempre reduzidos à sua solidez defensiva, ao seu pragmatismo e à sua eficácia finalizadora (sendo que o primeiro destes atributos nem sequer se confirmou frente à Croácia). Poder-se-ia até acrescentar uma dose avantajada de fortuna ou até algo menos nobre, porque não foi razoável a forma como foi beneficiada nos momentos capitais na final com os croatas: o livre que deu origem ao primeiro golo foi falso como Judas e, no lance que originou o penálti que permitiu a Griezmann repor a vantagem, mais do que discutir se houve um ato deliberado de Perisic (e eu acho que não houve), gostava que me explicassem por que razão o VAR escolheu precisamente a final para intervir onde nunca se tinha querido imiscuir neste Mundial, deixando-nos ainda mais confusos sobre o que é uma questão arbitral puramente interpretativa ou um verdadeiro erro manifesto. E a perplexidade é ainda mais justificada porque vem de quem sempre foi (e continuará a ser) apologista do vídeo-árbitro.
Claro que a França jogou o suficiente para ultrapassar adversários como a Argentina, o Uruguai e até a Bélgica (que, já agora, nos entusiasmou bem mais). Mas do que se trata aqui não é tanto uma questão de justiça, antes de desencanto. Mesmo levando em conta a falta de um médio mais criativo, a França tinha o lote de 23 talvez de qualidade média mais elevada em prova, tendo ainda deixado de fora jogadores como Rabiot, Sissoko, Coman, Martial, Lacazette, Valbuena e Benzema. E a ideia com que se ficou é que teve sempre qualidade a mais para tão pouco treinador. Há quem defenda que Deschamps recorreu a uma postura mais poltrona como medida profilática para evitar um triste desfecho como o que sofreu frente a Portugal na final do Euro de há dois anos. Uma leitura duvidosa se levarmos em conta que nenhuma das equipas que treinou até hoje foi capaz de nos encantar. Mesmo os méritos da alteração no segundo jogo (entrada de Giroud para poder libertar Griezmann e potenciar Mbappé, a gazela que o France Football soube antecipar como o herdeiro de Pelé) são discutíveis, porque serviu essencialmente para remediar o evidente débito de processo ofensivo e dependência excessiva do individual. Em suma, na Rússia, a selecção francesa fez-nos sempre lembrar aqueles carros alemães capazes de debitar 400 e muitos cavalos, mas que saem da fábrica já com um limitador de potência que lhes reduzem substancialmente as prestações. Daí que esta França multicolor tenha de ser arquivada na gaveta mental onde colocamos os campeões chochos e que sabem a pouco, muito atrás dos franceses titulados e orientados por Aimé Jacquet em 98, com Blanc, Vieira, Djorkaeff e, claro, Zidane. Mas talvez Platini é que tenha razão: "Napoleão disse que para ganhar batalhas necessitas de bons soldados e sorte. Didier [Deschamps] sempre teve as duas coisas. Interrogo-me se quando nasceu não terá caído numa fonte…".
O sentimento relativamente à Croácia é diametralmente oposto. Ficará, para sempre, no mesmo compartimento em que devem ser guardados os vencidos que não foram vergados, onde também estão a Hungria de Ferenc Puskas (1954) e a Holanda de Cruyff (1974). Será para sempre a Croácia de Modric, esse herói silencioso que Valdano rotulou de "criador de milagres".
'A Selecção do Mundial'
Courtois (Bélgica); Vrsaljko (Croácia), Varane (França), Lovren (Croácia) e Lucas Hernandez (França); Kanté (França), Modric (Croácia), De Bruyne (Bélgica); Mbappé (França), Harry Kane (Inglaterra) e Hazard (Bélgica).
Desafiantes e derrotados
A Espanha e a Argentina saíram pela porta pequena, mas a grande derrotada foi a Alemanha, até por ser o fracasso mais difícil de esclarecer (para além das implicações que a titularidade apressada do guarda-redes Neur possa ter tido no balneário, talvez se tenha cansado de ganhar). O Brasil trouxe outra cara, mas também um Neymar que foi mais falado pelas hilariantes simulações do que pelas 23 oportunidades de golos que criou. Até por ser evidente que as grandes provas têm um efeito de contágio, ainda bem que não se confirmou a predominância das equipas de tracção atrás, como a Polónia, a Tunísia e a Dinamarca. E, a partir dos "quartos", quem passou a dominar foram as equipas que, tendo uma organização defensiva competente, procuravam jogar no campo todo, como a Inglaterra, a Bélgica e, claro, a Croácia. Até por isso este foi o Mundial dos desafiantes, mais do que dos favoritos.
Bolas paradas e HxH
Valdano diz que este foi um "Mundial claustrofóbico", por tudo se passar nas grandes áreas. Foi, de facto, o Mundial dos golos de bola parada (atingiu-se o recorde de 69, quase 41% do total), o que pode não agradar ao argentino ("Fazer golos de estratégia é como dançar com a nossa irmã"), mas é uma aposta cada vez mais rentável. A Inglaterra marcou assim 12 tentos (superando os 8 de Portugal em 66) e a sua fileira de cinco homens na área adversária foi uma das imagens de marca deste Mundial (o que a França imitou na final). Mas as defesas com marcações HxH quase generalizadas também ajudaram à missa. Não houve golos em fora-de-jogo e viram-se menos agarrões na área e mais penáltis marcados, o que tem de ser relacionado com o VAR. E só houve um empate sem golos nos 62 jogos (França-Dinamarca).
A presidenta dos afectos e Putin
O Mundial serviu para maquilhar a imagem de Putin e para desmontar alguns estereótipos sobre uma Rússia que, nos últimos cinco anos, investiu 12 mil milhões de euros. Mas recebeu cinco milhões de turistas à conta da bola e teve receitas de quase 11 mil milhões. A assistência nos estádios foi de 98%. Mas a espectadora mais popular foi mesmo a croata Kolinda Kitarovic, a presidenta dos afectos."
O sr. Bruno Prata "esqueceu-se" de apontar Portugal como a grande decepção deste Campeonato do Mundo, já que, a par da Alemanha, era a selecção que detém o título de campeão europeu... e nos 4 finalistas todos eram equipas europeias! Daí não ter sido só a Espanha e a Alemanha as grandes desilusões, mas também e sobretudo Portugal por ser o campeão europeu em título e não conseguir chegar sequer aos 4 finalistas ... todos europeus!
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