"Epidemia sentimental, chamaram-lhe depois das vitórias frente ao Peñarol no Maracanã e ao palmeiras no Pacaembu. O Benfica ganhava prestígio. De Lisboa as felicitações viajavam para o lado de lá do Atlântico.
Há uma semana falei aqui da primeira deslocação do Benfica ao Brasil. Da festa, do ambiente acolhedor e amigo que a comitiva 'encarnada' foi encontrar, da derrota inicial frente ao Flamengo, por 0-1.
Mas essa digressão não se fez de derrotas, não foi de derrotas que o Benfica construiu a sua história. Por isso, prossigamos. Já no Brasil, claro está! nos dias que se seguiram ao embate com o Flamengo no Maracanã. Acrescente-se que essa estreia na América do Sul foi longuíssima. Os 'encarnados' saíram de Lisboa a 17 de Junho e 1955 e só regressaram a 3 de Agosto, com jogos no Rio de Janeiro e São Paulo para o torneio Charles Miller, e em Caracas para a Pequena Taça do Mundo.
Fiquemo-nos, para já, pelo Brasil. Haverá tempo e espaço, certamente, para batermos de novo nesta tecla sul-americana das viagens do Benfica. O Torneio Internacional do Brasil, ou Torneio Charles Miller (o homem que levou o Futebol de Inglaterra para o velho país irmão) teve a presença de quatro equipas brasileiras (Flamengo, Corinthians, América FC e Palmeiras) e dois convidados especiais, o Peñarol de Montevideu, do Uruguai, e o Benfica, de Portugal. Gente para ninguém botar defeito, como diriam os que falam português com sotaque de açúcar e manga.
Pois, pode dizer-se que, sem ser excelente, o Benfica portou-se à altura. Sobretudo por ser uma primeira vez. Derrotas perante o Corinthians (1-2) e o América FC (2-4) e vitórias sobre o Palmeiras (2-1) e Peñarol (2-0). Valeu! Por isso escrevia-se na imprensa portuguesa, logo após o jogo com os uruguaios: «Que o Maracanã perdeu a cabeça, que o Benfica se transformou na epidemia sentimental e que o Sport Lisboa e Benfica escreveu uma linda página das relações desportivas luso-brasileiras - eis o que é já hoje uma consoladora certeza!».
Palmeiro marcou ao Palmeiras
O Benfica jogara no Maracanã como se fosse em casa. A massa de gente que recebera a comitiva portuguesa no aeroporto e se deslocara ao estádio para ver treinar os homens de Otto Glória - também ele mais uma ponte de aproximação entre o Benfica e o Brasil - adoptara os 'encarnados' como centro do seu maior carinho. E isso foi inegável para os enviados-especiais dos jornais portugueses. «A quem jamais viveu semelhantes momentos de entusiasmo, de verdadeira loucura, será melhor que não tentemos explicar o que se passa nesta soberba capital do Rio de Janeiro». As bancadas do Maracanã agitavam-se vermelhas. Bandeiras e camisolas e gritos de Benfica!, Benfica!, Benfica! Portugueses e brasileiros misturados. À distância do tempo, que tudo reduz a uma insignificância igualitária, não é possível perceber o impacto que a vitória do Benfica sobre o Peñarol, com golos de Coluna e Águas, o primeiro num remate fantástico com o pé esquerdo, o melhor que teve no Futebol português da época. Os adjectivos perdiam-se de vista. As Direcções do FC Porto e do Belenenses trataram de expedir, com carácter de urgência, telegramas para o lado de lá do Atlântico felicitando os dirigentes benfiquistas pelas exibições e resultados obtidos no Brasil. Outros tempos...
No Pacaembu, cheio a rebentar pelas costuras, Águas e Palmeiro marcaram ao Palmeiras. E foi inenarrável o que aconteceu após o jogo. Leiam, não fui eu quem escreveu: «O Benfica, delirantemente aplaudido pelo público que pejava as bancadas deu uma volta de honra ao gramado enquanto que ao ar subiam dezenas de foguetes e morteiros que estralejavam festivamente, dando ao ambiente um ar alacre de alegria vibrante. Nas tribunas, os repórteres brasileiros abraçavam os portugueses presentes exclamando: o Benfica é na realidade um grande Clube! O resultado justo seria de 4 a 1...» Entre o colorido da festa, o Benfica fincava nome por mais um lugar do Mundo. Não tardaria a partir para a Venezuela. O destino da águia é voar..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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