"Na mesma semana, sofrer a terceira derrota na Liga dos Campeões e empatar com o Casa Pia na Luz, depois de promessas de mudança por parte de Roger Schmidt, enervou associados e simples adeptos, suscitou reações de desagrado e convidou a balbúrdia a subir ao palco.
Na época de estreia do treinador alemão, o Benfica foi campeão nacional e chegou aos quartos de final da Liga dos Campeões. Na presente temporada, conquistou a Supertaça, depois de, a 31 de março último, ter sido anunciada a prorrogação do seu contrato, com validade até 2026. Na altura, nenhuma voz discordante se ouviu, pelo contrário, notícias avulsas que davam conta de vários interessados nos serviços de Schmidt, inclusive a Federação alemã, terão pressionado Rui Costa a estender a ligação contratual com substancial aumento salarial.
Provavelmente, muitos dos que se insinuam junto da área presidencial e aplaudiram a decisão tomada, estarão agora na primeira linha de contestação, porque é mesmo assim, pensam e agem somente em função dos resultados.
Rui Costa não vai cair nesse erro e foi com entusiasmo que a massa adepta, principalmente a mais antiga, testemunha dos tempo gloriosos, o ouviu afirmar que não alimentar o sonho da Champions, «num clube desta dimensão e grandeza», seria uma estupidez.
É este pensamento de infinda ambição que ele pretende ressuscitar. Podem troçar os adversários com os fracassos da águia, o que é normal em ambiente de tacanhas rivalidades, mas o desafio está lançado. O Benfica tem de recuperar o seu estatuto de grande europeu, de fortalecer a sua independência, de seguir pelo caminho por si definido e de não se deixar tolher por abalos circunstanciais, tão frequentes em futebol, como o que se lhe depara, em que Schmidt passou a ser o problema.
Não conheço o medicamento para tratar as debilidades da águia, mas sei que precisa de apoio urgente ao nível de mudanças estruturais, para que «o Benfica volte a ser uma equipa, o que na realidade não é», como escreveu Vítor Serpa, no seu editorial de ontem, em A BOLA. O treinador alemão está de acordo e reconhece que é preciso jogar com mais intensidade e com «uma grande ligação entre os jogadores». Então, por que misteriosa razão isso não acontece, quando foi com base nessa solidez coletiva que residiu o segredo do sucesso na última época?
Dizer que perdeu jogadores importantes e que os que chegaram, também importantes, segundo Schmidt, ainda não estão ao nível que podem ter, nem estão enquadrados do ponto de vista tático, é uma desculpa de mau pagador porque, que se saiba, foi ele quem os escolheu, e se não foi pelo menos deu a sua concordância.
O que se sabe é que o clube foi generoso a pagar para tão fraco retorno, até agora. Preencher a lateral esquerda com dois reforços, um muito verde e outro a cair de maduro será responsabilidade de quem? E a falta de um substituto para Bah? Aursnes resolve. E resolve bem? Saiu Gonçalo Ramos, um bom negócio, mas os que estavam, mais o que chegou, não dão garantias porquê? De repente, emergiu a ideia de o Benfica ter ficado sem equipa, quando não é verdade, pelo contrário.
Perdeu Enzo Fernández, o grande comandante, e, até ver, Kokçu não passa de uma imitação barata do argentino. Eis a causa do colapso, que é preciso resolver, com recurso a outro esquema tático, porque este que Schmidt desenhou está fora de prazo. No entanto, para não dar o braço a torcer, foi astuto em inventar um caso alternativo e desviar o foco do essencial. Sacrificou Florentino com o argumento de que esta época está a ser diferente porque tem «outras opções nesta posição», sem especificar se são melhores opções. Imagino a tensão do jovem quando entrou em campo para defrontar o Casa Pia depois do atestado de desconfiança que recebeu do treinador, injustamente.
Diogo Luís, no seu espaço de opinião deste domingo, também em A BOLA, aludiu a algumas declarações de Schmidt «no mínimo estranhas», e deu como exemplo aquela em que referiu ser difícil «fazer melhor do que no último ano».
Não estou de acordo. Quem disse o que disse quando chegou ao aeroporto de Lisboa, que quem ama o futebol, ama o Benfica, prova de que preza o valor da palavra. Faz declarações que podem parecer estranhas, mas não são. Schmidt domina a técnica de comunicação. Sempre no mesmo registo, sem se expor e confortável pelo facto de ter dificuldade em expressar-se em português. Ele avisou quando chegou, prometeu fazer um esforço e nós continuamos à espera, sentados…
Rui Costa quer o melhor para o clube a que preside e a nação benfiquista acredita nele. Está preocupado, mas não tem de desculpar-se por a equipa jogar mal, nem de dar conversa às minorias organizadas que vegetam nas redes sociais e se julgam com importância.
Roger Schmidt está a desenvolver o seu trabalho com pouco brilho, mas com saldo positivo. A Liga dos Campeões já se foi, mas há ainda o desvio pela Liga Europa. A nível interno, ganhou a Supertaça e mantém intactos os restantes objetivos desde que não insista em impor um desenho tático que é um tormento para os seus jogadores e um rebuçado para os opositores."
Fernando Guerra, in A Bola
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