"«É tão bom ser pequenino, ter pai, ter mãe, ter avós. Ter esperança no destino, e ter quem goste de nós», cantava Alfredo Marceneiro nos tempos em que a rádio era telefonia.
É diferente, porém, o fado dos clubes pequenos em Portugal. Não há parente que lhes valha.
A semana que passou foi reveladora nesse aspecto.
Se em Espanha, por exemplo, seria impensável ver o primeiro-ministro Pedro Sánchez receber no Palácio da Moncloa os presidentes da Federação e da Liga Espanhola apenas e só acompanhados dos de Real Madrid e Barcelona para discutir o futuro do futebol no país, por cá, a reunião entre António Costa e os três grandes, com presidentes da FPF e da Liga (este já acrescentado à posteriori), é recebida com aparente naturalidade.
Benfica, FC Porto e Sporting têm uma dimensão desproporcional no futebol português. E, entendamo-nos, os ditos pequenos têm culpa própria nessa correlação de forças, da subserviência com que afinam pelo mesmo diapasão dos maiores, à espera de alguma benesse com empréstimos, à inconsequência de movimentos como o G-15.
Na comunicação social há um critério editorial legítimo de dar mais tempo e espaço aos três grandes, por tal gerar um retorno maior em termos de interesse (do) público, mas coisa diferente é atribuir-lhes um estatuto diferente em termos institucionais.
Se formalmente há 34 clubes profissionais no futebol português, na prática há três que só por si pesam mais do que qualquer um dos restantes 31 em conjunto. Aliás, não será por acaso que havendo formalmente dois campeonatos profissionais em Portugal, na prática passou agora a haver só um.
Enquanto os países europeus tomam decisões sobre a suspensão ou não das competições desportivas, é uma originalidade só nossa esta de na mesma modalidade avançar com uma competição profissional ao mesmo tempo que suspende outra.
No caso da II Liga, a justificação para o cancelamento será a falta de condições das estruturas e dos recintos para cumprir as determinações de segurança sanitária da Direcção-Geral da Saúde. Algo que justifica a anulação também do Campeonato de Portugal. Embora aí seja pouco defensável o critério de não dar sequer o direito aos líderes de duas das quatro séries (Praiense e Olhanense) de disputarem a subida ou em alternativa subirem também por via administrativa, recorrendo ao alargamento da II Liga.
Haverá, ainda assim, outro motivo incontornável para a discrepância das decisões entre as duas ligas profissionais: os direitos televisivos.
Na II Liga, o grosso da contestação fica resolvido com um apoio de cerca de 1,5 milhões de euros – um milhão da FPF e 550 mil da Liga – a distribuir pelos clubes.
Excepto para as três ou quatro equipas que ainda ambicionavam a subida, e outras duas que podem eventualmente ainda descer, o negócio acaba por ser vantajoso a curto prazo para os restantes: garante-lhes boa parte da principal fonte de receitas e permite a poupança em despesas com organização de jogos, deslocações e testes a clubes cuja fragilidade é tal que, ao primeiro abalo, tiveram em alguns casos de recorrer ao layoff dos seus futebolistas.
Ora, na I Liga 1,5 milhões não chega sequer para cobrir o valor pago pelas operadoras pela transmissão de um só jogo de Benfica, FC Porto ou Sporting.
O rombo financeiro pela não realização de 90 jogos do principal escalão seria bem mais devastador, pelo que é a discrepância em termos de dimensão do problema que leva ao recurso a esta solução de dois pesos e duas medidas.
Tal só surpreenderá quem não está ciente da desproporção que faz pesar os pratos da balança no futebol português.
Ainda assim, mais do que olharmos para a I Liga e perceber que «agora, a música é outra», o que soa mal é só ver e ouvir três solistas, enquanto o resto fica a tocar guitarra."
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