"Diz o povo que em tempo de guerra não se limpam armas. Curiosamente, nesta que vivemos, até convém limpá-las assiduamente, mas as do nosso inimigo, pois trata-se das nossas próprias mãos.
Já se vê, pela lógica deste pensamento, que a quarentena tem os seus efeitos. Há uns dias dei por mim farto de estar em casa e a ir até ao meu carro, onde permaneci umas horas e li parte de um livro da Anna Burns – “Milkman” – no qual é particularmente bem descrito o ambiente de terror vivido nos anos 70/80 na Irlanda do Norte, onde houve, de facto, uma guerra, no sentido clássico do termo. Nesta, que só Pacheco Pereira parece recusar-se a referir-se-lhe nesses termos, pedem-nos para ficarmos em casa, lavarmos as mãos e praticarmos distância social, o que em certos casos nem é grande o sacrifício, talvez seja mesmo uma benesse.
Para quem tem saúde e não é obrigado a arriscá-la em nome de outrem, e ainda para quem não começa a sofrer já com a paragem da economia, além das saudades de familiares e amigos, os maiores desafios têm sido ocupar o tempo entre paredes (perdeu-se a desculpa “não tenho tempo para ler”) e estar atento aos noticiários de algumas TVs (salva-se a RTP) para se mudar de canal imediatamente antes do início da evangelização diária dos pivots de serviço, num tom que alterna entre a reprimenda e a (proto) inspiração. Como não percebo do assunto, nem me preocupo com audiências, preferiria ouvir notícias. E garanto-vos que não haverá discurso tão inspirador quanto os actos praticados por pessoas e instituições, por vezes pouco ou nada noticiados, entre os quais as doações avultadíssimas do Benfica e dos elementos da sua equipa profissional de futebol, que mereciam mais destaque."
João Tomaz, in O Benfica
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