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quarta-feira, 10 de julho de 2019

O problema continua a existir e tem nome: chama-se racismo. E de repente lembrei-me do Abel Xavier, do Daúto e do José Morais

"O tema não é novo mas continua a ser tratado com paninhos quentes. Percebe-se. Falar publicamente de questões relacionadas com a "cor da pele" é sempre um risco, mas convenhamos... maior é o risco de não dizermos nada quando dizer alguma coisa parece ser a única opção. A opção certa.
A verdade é que a questão da desigualdade racial no desporto (e no futebol em particular) ainda se coloca. E coloca-se porque, de fora para dentro e de dentro para fora, há manifestações expressas e tácitas que sublinham a necessidade aparente de se continuar a traçar algumas "fronteiras" entre uns e outros.
Fronteiras que, nos dias que correm, são mais grotescas, obtusas e ofensivas do que aquela que o senhor que mora na Casa Branca quer erguer, para separar Estados Unidos do México.
Ao que interessa: dizem estimativas recentes que o futebol - de longe, o desporto mais popular do planeta - tem quase trezentos milhões de praticantes à escala mundial.
É muita gente, não é?
Nesta "aldeia global" cabem todo o tipo de pessoas: rapazes e raparigas, miúdos e graúdos, novos e velhos. Cabem ocidentais e orientais, muçulmanos e cristãos, gays e heterossexuais. Cabe gente que nasceu, cresceu e viveu aqui e ali, nos quatro cantos do mundo. Gente de todas as idades e raças, credos e religiões.
Esta "multidisciplinaridade" é uma das grandes razões do seu sucesso, o que o torna numa verdadeira força da natureza. Uma ponte humana de igualdade, de esperança e integração. Pelo menos, aparentemente.
Há muito que a grande bandeira do futebol mundial - activamente assumida pela FIFA - é precisamente essa: a da luta permanente contra qualquer tipo de discriminação.
Bem. Muito bem.
Mas a prática parece evidenciar que as coisas não são bem assim e que essa ideia não passa de uma bem intencionada operação de cosmética, condenada a um sucesso residual. Vejamos alguns factos:
– Há um crescimento ameaçador de movimentos ideológicos que assentam na ideia de supremacia de uma raça sobre as restantes. Quer isto dizer que há cada vez mais racistas e xenófobos a representarem-se politicamente, o que é preocupante. Esta é uma constatação que deve levar muita gente do futebol a reflectir, porque colide de frente com os ideais de "Fairplay" que a indústria tanto defende;
– Há ainda muitas manifestações racistas por parte de adeptos em relação a atletas "não brancos": ainda se ouve, com frequência, o som de macacos vindo das bancadas e, não raras vezes, atiram-se bananas para dentro de recintos desportivos. Essas atitudes - dignas, isso sim, de verdadeiros primatas - tem sido combatida energicamente mas pelos vistos não o suficiente, porque continuam a acontecer um pouco por todo o lado. E se acontecem nos palcos mais visíveis, onde actuam os actores mais mediáticos, imaginem nos restantes...
– Mas o que realmente parece-me preocupante é outra realidade, que apresenta dados absolutamente irrefutáveis: poucas (raras até) são as pessoas de "cor de pele" diferente que ocupam lugares de decisão. Que desempenham funções executivas ou apenas de mera chefia no futebol ocidental.
Se tivermos, por exemplo, em linha de conta as principais ligas europeias (e aí até incluirmos a portuguesa), veremos que há uma quantidade enorme de jogadores a desfilar talento nos relvados, mas poucos (ou nenhum) treinadores de origem africana a comandarem nos bancos.
É como se, em pleno século 21, o "futebol evoluído", o tal que tanto defende a igualdade racial, dissesse sem dizer que o talento em campo - o do músculo e da execução, aquele que obedece - abunda e tem valor interminável, mas fica por aí. Não progride depois para o "talento pensante". Para aquele que treina, que dirige ou preside.
Após o final de carreira, a esmagadora maioria dos jogadores evolui para área do treino, da direção desportiva ou do dirigismo. Mas essa evolução tem-se revelado parcial, porque as paredes que rodeiam esse salto natural parecem ter outra resistência quando a pretensão é assumida por atletas "de cor".
Não sou eu que digo. São os números e, acreditem, são avassaladores.
Para que tenham uma ideia, há poucos anos, as chamadas "Big Five" tinham um treinador de raça negra. Um só.
Hoje em dia... bem, desafio-vos a contar. Depois digam qualquer coisa.
Já no que diz respeito a jogadores, a conversa é outra: o tal talento tremendo existe dentro de campo e aos pontapés. Literalmente.
Esta diferença gigante - entre quem executa e quem ordena - expõe a nu a (falsa) questão da igualdade racial. E expõe-na nesta gigantesca montra que é o futebol, enquanto reflexo do que, de facto, parece acontecer em toda a sociedade. Em muitas sociedades.
Por cá - como em quase tudo o mundo ocidental (e até no Brasil) - mais de 90% dos cargos executivos de médias e grandes empresas são ocupados por pessoas de raça branca, o que parece ser um paradoxo, tendo em conta o número de portugueses de origem africana a viver por cá (além das profundas ligações históricas que temos com África).
As nossas maiores empresas, que dizem "promover activamente a diversidade étnica olhando apenas para o currículo e competência", padecem do mesmo síndrome. Os números contrariam cada uma daquelas palavras.
O "problema" continua a existir e tem nome: chama-se racismo. Pode ser mais ou menos consciente, mais ou menos racional, mais ou menos voluntário. Mas está lá e à vista de quem tem coragem de olhar para ele de frente.
É importante reconhecê-lo para ultrapassá-lo rapidamente.
Portugal, país de bons costumes e de reconhecida tolerância, tem feito enormes (e elogiáveis) avanços no crescimento do futebol no género feminino: há mais mulheres a jogar, mais competições, mais talento e, consequentemente, mais oportunidades. Mais igualdade. Perfeito.
Por cá, como lá fora, falta o resto.

PS - De repente, lembrei-me do José Morais, do Abel Xavier, do Daúto Faquirá (e de tantos, tantos outros). Gente competente, com provas dadas e talento comprovado, mas com mercado de trabalho quase fechado.
Porquê?"

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