"Fernando Gomes só fala quando tem algo importante a dizer. Se meteu na cabeça que está na hora de mudar o futebol, irá até ao fim.
Fernando Gomes não é, apenas, o presidente da Federação Portuguesa de Futebol. É, também, vice-presidente da UEFA e, desde há uns dias, o primeiro português a ser nomeado para a comissão executiva da FIFA. É hoje, sem dúvida, o nosso dirigente com maior prestígio a nível internacional. Claro que podia ser isto tudo e representar pouco para o adepto comum, para quem os cargos (mesmo os mais relevantes) significam pouco. Mas o caso do presidente da FPF é diferente. Em oito anos (dois na Liga e seis na Federação), Fernando Gomes conquistou a simpatia de quase todos os portugueses. Mais importante que a simpatia, ganhou-lhe o respeito. E só alguém tão respeitado pode escrever o que escreveu anteontem o presidente da FPF.
É evidente que os resultados da Selecção Nacional ajudaram. Mas há em Fernando Gomes uma característica que faz dele uma voz com tanto peso junto das instituições (desportivas e políticas) e do cidadão normal: fala pouco. Não diz banalidades, não aparece para se colocar em bicos de pé, só fala quando tem algo importante para dizer. Ou para fazer. E por isso, quando fala todos ouvem. As palavras do presidente da FPF devem, por isso constituir um importante sinal de esperança para os que há muito exigem uma mudança no futebol português. Porque outra das características de Fernando Gomes é que não se compromete com causas que não pretenda levar até ao fim. Se meteu na cabeça que é altura de dizer basta ao futebol que temos, é muito provável que vá até ao fim. Dia a quem doer. E, percebe-se na mensagem, os próximos tempos podem ser dolorosos para muita gente.
Os primeiros (e principais) destinatários dos recados de Fernando Gomes foram os dirigentes dos clubes. Não só os presidentes, claro, mas em especial eles - porque se forem, de facto, bons presidentes nada por lá se passa sem o seu conhecimento e autorização. O puxão de orelhas começou por centrar-se na forma como a política egocêntrica com que olham para interesses que deviam ser comuns vai minando a competitividade do futebol português na Europa, que como se sabe terá reflexos dramáticos já na próxima época. É uma preocupação legítima e, sejamos francos, não devia ter de ser o presidente da FPF a alertar para tão evidente necessidade de discutir de forma séria o que se passa e encontrar soluções para os problemas. A outra parte da mensagem focou-se naquilo em que os clubes (em especial os três grandes) transformaram o nosso futebol, que se joga hoje muito mais fora das quatro linhas do que dentro delas. E se há presidentes que falam mais do que outros, todos contribuíram para este clima de terrorismo comunicacional que nos arrasta todos para o fundo. É triste, além de preocupante, ter de ser o presidente da federação a alerta-nos para os riscos que corremos se deixarmos que as coisas continuem como estão.
Fernando Gomes fez também questão de dirigir-se aos árbitros. E o que disse foi claro: o clima de pressão a que estão sujeitos é inadmissível e terão todo o seu apoio caso decidam assumir eles próprios (já que ninguém parece interessado em assumi-las por eles) medidas que lhe coloquem fim. Mensagem poderosíssima, que deixa os árbitros, normalmente desamparados, com um aliado de enorme na sua luta. Não se admirem, pois, que a greve, ameaça sempre olhada com desdém pelos poderosos do futebol, se torne em breve uma realidade. Porque a arbitragem (que tem os seus problemas) ainda há muitos anos a aguentar-se como bode expiatório para problemas alheios, graças a gente que não tem problemas em incitar o ódio pelo vizinho se isso impedir um ligeiro arrufo em casa.
Por último, Fernando Gomes dirigiu-se ao Estado, ao Governo e à Assembleia da República. E aqui - para quem quis perceber - o presidente da FPF avançou com a única solução para os problemas que hoje assolam o futebol português: é preciso que quem tem poder para mudar as coisas ganhe coragem, se deixe de palavras de circunstância e passe à acção. Já chega de esperar que os clubes mudem aquilo que não podem mudar, por não quererem ou por não serem capazes. É preciso alguém que os obrigue a mudar. Já. Porque amanhã por ser tarde."
Ricardo Quaresma, in A Bola
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