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terça-feira, 31 de maio de 2016

Cérebros e chapéus

"No Sporting, esta época, em Janeiro, no mercado de inverno, mudou-se meia equipa. Entraram Coates, Bruno César, Marvin, Barcos e Schelotto e foi recuperado Rúben Semedo. Há um ano, Marco Silva lamentava-se em voz baixa, falava de reforços e teve como único presente o lesionado Ewerton para colmatar a vaga de Maurício. Mesmo assim venceu para a Taça de Portugal, enquanto este ano o falhanço foi em toda a linha, uma evidência que a ideia luminosa de campeão do segundo lugar mais acentua.

Jesus é bom profissional, isso nunca esteve em causa. Como trabalha, como lida com os jogadores, como os motiva, não sei. Hoje, faz-se tudo às escondidas... Sei é que quando Luís Filipe Vieira, na cerimónia de assinatura de contrato comercial com a Emirates, afirmou que o Benfica teria de recuperar o seu espaço europeu alguma alteração muito importante estaria em marcha: a saída de Jesus. Não o disse, mas foi o que eu pensei. Porquê? Pergunta simples e de resposta rápida, não?... Repare-se no exemplo do Real Madrid. É o maior de todos, não pelo número de Ligas espanholas acumuladas, mas pelas 11 Taças dos Campeões Europeus que já ergueu. Eis a diferença!

O 35.º Campeonato conquistado pelo Benfica foi festejado de forma muito especial pela esmagadora maioria dos adeptos e pelo presidente e pilar principal da organização vencedora. Discreto mas firme, preocupado mas optimista, no seu posto de comando, tomou as medidas que se impunham, em nome do projecto que sustenta o engrandecimento do clube e lhe dá garantias de cintilante futuro. Enfrentou a ira de benfiquistas menos informados ou de frágeis convicções e a incompreensão de humoristas, economistas, analistas, cientistas, comentaristas e afins. Em vários sectores de opinião estabeleceu-se que Luís Filipe Vieira acabara de provocar o colapso da instituição, ao prescindir dos serviços de uma sumidade, a qual, no entanto, com a elevação devida, teve direito ao reconhecimento de méritos pela colaboração prestada durante a longa vigência contratual, apesar de, a partir de determinada altura, por motivos que só não enxerga quem não quiser, se tivesse transformado em travão inibidor da caminhada ambiciosa da águia que era preciso desbloquear, como a temporada ora finda demonstrou. Prova de que Vieira tinha razão e prova também de que quando a vaidade transborda é normal a confusão entre cérebros sem chapéus e chapéus sem cérebros.

O período mais crítico do Campeonato, que correspondeu a preocupante desvantagem pontual, trouxe vagas de maledicência e agitou desgraças imensas. Em contraposição, Vieira alertou a nação benfiquista para o facto de se atravessar uma fase de transição e necessitada de tempo para estabilizar, ao mesmo tempo que anunciou total confiança no novo treinador. O que não se revelou suficiente para acalmar a tempestade, pois nas semanas seguintes não deve ter havido dia em que os canais de propaganda inimiga não adivinharam a inevitabilidade da ruptura...

O Benfica gerou o seu próprio monstro. Cobriu-o de dinheiro por causa da intromissão de alegados emissários, os quais juraram que, a Norte, o FC Porto estaria disposto a pagar o que fosse preciso para o receber, argumento que vingou em 2010, na Luz, com enquadramento televisivo e tudo, e que parece ter voltado a resultar, em Alvalade. Tenho dúvidas sobre a validade do esquema, sobretudo depois de o experiente e hábil presidente portista ter confirmado, sorridente, que é amigo do treinador que se queixa de todos o copiarem e que segue a sua carreira desde os tempos do Amora. Ou seja, para bom entendedor... 

Jesus foi campeão no Benfica em 2010, no ano seguinte ficou a 21 pontos do FC Porto, e em 2012 e 2013, aconteceu o que se conhece... Voltou a ganhar em 2014 e 2015 e como a última recordação é a que mais pesa percebe-se a razão da lamúria, quando resolveu mudar-se para o rival da Segunda Circular, mudança essa que, hoje, enche de gozo a águia e carrega de azia o leão. Para o ano é que é, prometem. Será? Talvez sim, talvez não, depende de vários factores. De toda a maneira julgo justificar-se a seguinte questão: nos anos em que trabalhou no Benfica, dado o forte investimento feito nos diferentes planteis, se tivesse sido ao contrário? Isto é, se Jesus entrasse a ganhar dois Campeonatos, depois perder três e no último ano conquistasse outro, será que a reacção do adepto encarnado seria a mesma? Provavelmente não. Reagiria mais friamente e concluiria que qualquer treinador competente, perante idênticas condições de trabalho, pior não teria feito..."

Fernando Guerra, in A Bola

1 comentário:

  1. Por uma vez , um texto clarividente . Nada a contrapôr . Nem para dizer bem , nem para dizer mal : antes pelo contràrio !!!

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