"Meu caro Julen Lopetegui
Não sei se sabe, mas quando alguém é capaz de deixar que, no futebol, o seu jogo deixe de ser aquilo que tem de ser: um espaço de ataque ao destino onde, segundo a segundo, se joga a história e a eternidade, esgotando-lhe todas as emoções, expurgando-o de todas as fraquezas (e mais as de alma...) está a atraiçoar-se e a atraiçoar a história do seu clube - sobretudo se for treinador do FC Porto.
Não sei se sabe, mas quando alguém não percebe que o bom futebol precisa de bons jogadores, mas os bons jogadores se alimentam de boas ideias e as boas ideias são as que lhes dão protagonismo (e nunca o são obsessões...), o treinador acaba por tropeçar nas suas sombras e nos seus desvarios - sobretudo de for treinador do FC Porto.
Não sei se sabe, mas quando Bill Shankly descobriu que nenhum jogo de futebol é uma questão de vida ou de morte, é sempre muito mais importante do que isso - o que ele descobriu foi também que o medo e a displicência, a apatia e a cobardia são para uma equipa o que o calor é para o toco de cera: dá a ilusão breve da luz mas depois derrete-se e apaga-se, o sonho vira fio de fumo, envolvendo-se e perdendo-se. E sim, também aí a culpa é do treinador - sobretudo se for treinador do FC Porto.
Isso você sabe: tudo o que de melhor se faz no futebol em termos ofensivos depende do jogador - do seu génio, do seu instinto, do seu talento, do seu carácter. O que não sei se sabe é que se o treinador não souber (ou não puder...) soltar-lhes o génio, o instinto, o talento, o carácter está, ele próprio, a condenar-se à morte (que pode ser mais ou menos lenta, logo ou depois, o destino o dirá, cruel ou não...) - sobretudo se for treinador do FC Porto.
Poderia falar de outras coisas, mas bastam-me estas para lhe dizer porque digo o que já lhe disse que onde você perdeu o campeonato, o ganhou Jorge Jesus. Com toda a justiça - mais pela sua (dele, claro...) esperteza, do que pelos seus álibis, os mantos e os colinhos..."
António Simões, in A Bola
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