"Kadikoy é um bairro aprazível da Istambul asiática. Aí nasceu o Fenerbahçe que chegou a sujar o seu nome pela via da corrupção. Em 1975 esteve em Lisboa e perdeu por sete. O grande Didi era o treinador...
No dia 17 de Setembro de 1975, o Fenerbahçe estava em Lisboa. O seu treinador era Waldyr Pereira. Dito assim talvez poucos, o conheçam. Façamos como Nelson Rodrigues: Waldyr Pereira - por extenso Didi. Didi foi enorme. Há quem garanta que foi o inventor da «folha seca», o livre marcado em jeito, a bola caindo, caindo, caindo lá no caminho da baliza. Jogou um pouco por todo o Brasil, no Fluminense, no Botafogo, no São Paulo, também na Europa, no Real Madrid, para onde veio após o extraordinário Campeonato do Mundo que protagonizou na Suécia, em 1958.
Portanto, em Setembro de 1975, Didi era o treinador do Fenerbahçe, adversário do Benfica na primeira eliminatória da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Coitado! Mal sabia o que o esperava...
O Fenerbahçe Spor Kulubu é de um local aprazível de Istambul: Kadikoy, do lado asiático do Bósforo. Já lá estive por mais de uma vez e vi: esplanadas simpáticas viradas para o mar de Marmara e para as marinas, zonas verdes, passeios largos. Vale a pena.
Foi fundado em 1907 e nunca sofrera tanto como viria a sofrer em Lisboa, nesse mês de Setembro. Veste de amarelo e azul, às listas. Chamam-lhes os Sari Kanaryalar, os Canários Amarelos...
Didi, à chegada a Lisboa, confessava que já tinha tido um tentador convite para treinar os Sporting... Mas o dinheiro falou mais alto, e em turco.
Era Lisboa e chovia...
Não foi uma edição brilhante da Taça dos Clubes Campeões Europeus, essa de 1975/76, para o Benfica. Tombaria com estrondo nos quartos-de-final frente ao Bayern de Munique (0-0 na Luz, 1-5 em Munique). Mas isso fica para mais tarde, o que nos traz aqui hoje é o Fenerbahçe, os Canários Amarelos, que não tarda regressam à Luz tal como ordenou o sorteio de Nyon.
O Benfica tinha problemas na defesa, Messias e Artur estavam de fora, era tempo de avançarem António Bastos Lopes e Malta da Silva, nada que não se resolvesse jogando mão da velha máxima benfiquista que, assim sendo, havia então que atacar. E como atacou a equipa de Mário Wilson!
Sete-golos-sete! Sete-a-zero! As águias vermelhas mastigaram os canários amarelos.
Era Lisboa e chovia, teria escrito Dario de Castro Alves. Chuva chata, de morrinha, encharcando corpos e almas. O Benfica imponente, avassalador, logo com razão de queixa de um penálti perdoado aos turcos iam passados quatro minutos do jogo. Pouco importa. Saiam da frente que temos pressa pareciam gritar os avançados 'encarnados': Moinhos, Jordão, Nené, Vítor Martins e Shéu na ajuda. E duas bolas à trave pelo meio dos golos.
Falemos dos golos: 1-0 por Shéu (22'); 2-0 por Nené (33'); 3-0 por Sabahattin na próxima baliza (43'); 4-0 por Jordão (60'); 5-0 por Nené (72'); 6-0 por Jordão (75'); 7-0 por Jordão (82'). Boas memórias por este lado do jogo, que ainda teve o auxílio ofensivo de Vítor Baptista e de Nelinho, más memórias pela violência turca que desde cedo se fez sentir, com Sahabattin, Alpastar e Rasit a demonstrarem um mau perder a paciência ao mais paciente dos adeptos da Luz.
Anos depois, largos anos depois, o Fenerbahçe sofreu os abalos terríveis de uma investigação levada a cabo no Futebol turco e que considerou alguns dos seus dirigentes responsáveis pela corrupção de árbitros. Nada que, infelizmente, também não exista por cá, com os pobres resultados que se conhecem e com os mesmos vergonhosos presidentes do costume. Houve quem propusesse a devolução dos troféus ganhos de forma suja, uma atitude que fica em dignidade muito para lá do que poderiam imaginar dirigentes corruptos portugueses. Mas a mancha ficará sempre. No Futebol não há lixívia que apague a nódoa da batota.
Em 1976, o Fenerbahçe ainda não estava sujo. Não tinha competência para se bater na Taça dos Clubes Campeões Europeus, mas não era grave. O Futebol turco viria a crescer ao longo das décadas. Agora está de volta. Os tempos são outros. Mas é em cima das memórias que se fazem erguer os contrafortes da esperança.
Bento; Malta da Silva, Barros, Eurico, Bastos Lopes; Vítor Martins (Nelinho, 79'), Toni, Shéu (Vítor Baptista, 69'); Moinhos, Jordão, Nené"
Afonso de Melo, in O Benfica
O ESTÁDIO DO DRAGON É A SALA DE CHUTO DE TODO O PORTUGAL.
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