Últimas indefectivações

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Slides de meia-tijela

"O Palhaço abriu a boca e babou-se, como costumava fazer sempre. Mirou as paredes coloridas como se observasse com atenção a fachada de um palácio à moda do bovino que de facto é. Viu barrigas proeminentes multiplicarem-se em seu redor, com os seus proprietários exibindo orgulhosamente umbigos e pêlos repelentes. Um desses animais, tatuado por todo o peito descaído, ensaiava a saudação nazi. Mais por vicio do que por outra coisa qualquer, o Palhaço esticou o braço e respondeu à saudação. Depois olhou em redor, meio envergonhado, continuando a babar-se. Não tinha vergonha da saudação, todos sabiam das suas simpatias por qualquer tipo de fascismo, mas não queria ser apanhado ali, sozinho, em troca de simpatias com um matulão presumivelmente mal-cheiroso, logo ele que era tão namoradeiro, benza-o Deus.

Os rapazolas multiplicavam-se pelas paredes, de um lado e do outro. Semi-nús, simiescos, esgares broncos, um sem fim de mamilos e sovacos, bocas abertas soletrando palavrões, olhos esbugalhados, sanguínolentos, exprimindo o esforço titânico do cérebro na busca de mais insultos. O Palhaço estava agradado com tamanha porcaria mas, no fundo, ia crescendo em si um desprezo intenso por aquilo que ele considerava uma brincadeira de meninos de colo. Tanta ameaça, tanta ira, tanta cara feia e punhos fechados para quê? Toda a gente sabe que fotografias não fazem mal a uma mosca, riu-se o Palhaço para dentro. Cá comigo não há brincadeiras nos túneis! Ou os encho com criolina e mando atacar o guarda Abelha; ou atiço-lhes com o Incrível Shreck e com o outro paspalho que não sabe estar calado. Não anda cá a ameaçar pontapés na tromba e murros no nariz com slides de meia-tijela. E muito satisfeito consigo próprio, o Palhaço foi à sua vida insalubre, não sem antes ter voltado a esticar o braço, respondendo à saudação nazi do biltre que estava à sua frente, imóvel, na parede."


Afonso de Melo, in O Benfica

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