"Cantona retirou-se aos 30; Bale aos 33; Ronaldinho Gaúcho aos 35; Eusébio e Maradona aos 37; Beckham aos 38; Messi, Ronaldo e Ibrahimovic, um rapaz (quase) da minha idade, para lá caminham, a prova de que, mesmo que os 40 sejam os novos 30, a partir de certa altura torna-se impossível ignorar o passaporte biológico e não fazer contas de subtrair.
Nisso, o jogador de fim-de-semana é um privilegiado e pode jogar, ou pelo menos tentar, a vida toda — Chico Buarque, que antes de ser O Chico sonhou ser Garrincha ou Pelé, foi fotografado a driblar com os amigos no Rio de Janeiro, aos 75 anos — ainda assim, porventura empurrado pelo emotivo adeus de Roger Federer e a mão amiga de Nadal, dei por mim a fazer contas ao pouco tempo de jogo que me resta.
Não são contas novas, na verdade. Começou durante a pandemia, o período mais longo em que estive sem entrar em campo. «Será que voltaremos a jogar?», perguntava-me, e perguntava também ao Jorge, amigo maior com quem jogo há duas décadas, receoso de que muitos dos meus colegas aproveitassem o confinamento para ceder aos caprichos da meia idade e de um desporto fisicamente mais violento do que parece, mesmo quando praticado uma vez por semana. Sobretudo, quando praticado uma vez por semana. Quanto mais dias passavam mais vezes me respondia «não sei, João, não sei, acho que para mim acabou».
Os piores cenários não se confirmaram. Não só voltámos a jogar, como voltámos a fazê-lo juntos. Se bem que, de tempos a tempos (quase todos os jogos), perante a persistência de uma lesão ou a possibilidade do grupo se desmoronar devido à odisseia semanal que é reunir dez elementos, faça questão de relembrar-me de que estes poderão ser os seus últimos minutos. Ele que, ao contrário de mim, foi bem mais do que um mero jogador de fim-de-semana tendo, inclusive, partilhado o pelado com o Luís Figo, nas camadas jovens.
Digo-lhe que não, que exagero, que parvoíce. Que, no mínimo, vai jogar mais uma década, até aos 62 anos, o que significa que jogarei mais 20, pelo menos. Para lhe provar que ainda estamos longe do fim, fui mesmo à procura de uma plataforma online espanhola, ‘El tiempo que nos queda’ de que ouvira falar há uns anos. Uma espécie de Bimby para filósofos de pacotilha em que, juntando dados como a idade, esperança média de vida e a frequência com que nos encontramos com determinadas pessoas, é capaz de calcular o tempo que poderemos vir a passar com elas. O tempo que nos resta, numa tradução mais literal e dramática.
Como a ferramenta já não está disponível, fiz as contas à mão — corrijam-me por isso se estiver errado. Um jogo por semana durante dez meses ao longo dos próximos 20 anos (os dois meses em falta reflectem um mês de férias, Agosto, eventuais lesões e uma ou outra semana em que não há jogadores suficientes), dá 800 jogos. Cerca de 40 por época. Nada mau, convenhamos. Quem dera à maioria dos jogadores profissionais fazer 40 jogos por temporada ou 800 em toda a carreira. Desses, 400 serão com o meu velho amigo, partindo do princípio de que continuaremos a jogar juntos todas as semanas ao longo dos próximos dez anos. Calculei também, por curiosidade e sentimento de culpa, o número de vezes que estarei com os meus pais, caso eles vivam durante mais 20 anos, até aos 90. Cem. Cem vezes!
São contas de merceeiro, naturalmente, pois contabilizam apenas o número e não a duração e a qualidade dos encontros, mas não deixa de ser um choque. Ainda assim, se me fizessem uma daquelas perguntas parvas do tipo ‘Isto ou Aquilo’, que costumo jogar com a minha enteada; se ela me perguntasse «preferias jogar com o Jorge, todas as semanas, durante dez anos ou sem ele, todos os dias, até aos 75 anos?»; se me perguntasse se preferia estar mais vezes com os meus pais ou jogar mais vezes à bola, não sei se seria capaz de dar uma resposta definitiva. Pelo menos, imediata.
O amor por algumas pessoas é eterno e incondicional, à prova de longas ausências semanais e exibições menos felizes. A condição física não."
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