"À mesa dos grandes na última reunião uefeira, abanavam-se as cabeças de série em concordância predatória de que os belgas do Club Brugge KV eram a sobremesa mais chamativa naquela montra do sorteio dos Oitavos da maior competição de clubes.
Chocolate, bolacha, e uma série recente de resultados menos efusivos tornaram os inocentes estreantes no alvo dos olhares mais sedentos da elite: Real Madrid CF, FC Bayern, Cityzens, SSC Nápoles, Chelsea FC, Tottenham HFC, FC Porto e SL Benfica esfregavam a pança em ânsia de lhes calhar a fava belga daquele imenso bolo rei com fatias à Liverpool e frutas Parisiens. Sortudo foi o Benfica, ele próprio uma das favas daquele lote de bonacheirões – e assim se consumou a sorte portuguesa, merecida pela participação impecável no grupo da morte.
E a acrescer à beneficência do destino, tendo em conta as circunstâncias actuais pelas quais atravessa o Brugge, as benevolentes benesses do registo histórico dos encarnados – nunca uma equipa belga ganhou na Luz (apesar de lá terem consumado uma Taça UEFA…) e das dez eliminatórias, só em três o Benfica ficou pelo caminho. A última vez em 2004-05, na 3ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões, quando Trapattoni não operou resistência suficiente no Constant Vanden Stock para suportar a vantagem mínima da primeira mão sobre um Anderlecht que acabaria por perder todos os seis jogos da fase de grupos…
Todavia, demorou o Benfica a travar conhecimentos com o arrojado futebol da Flandres. Enquanto Sporting (2.ª eliminatória da Taça dos Campeões 58/59, Standard Liège) e FC Porto (2.ª eliminatória da Taça UEFA 72/73, Club Brugge) descobriram cedo as dificuldades impostas pela ousadia técnica reminiscente dos grandes mestres da Renascença nórdica, ao Benfica foi preciso esperar quase trinta anos de competições europeias para conhecer esse futebol. Em 1982-83, no mesmo ano em que se perde a final da UEFA para um sensacional Anderlecht – que repetiria presença no jogo decisivo na época seguinte – o Benfica defronta o Lokeren pelo caminho, despachando-o por 4-1 no agregado: e o termo pode não ser o melhor que, depois do 2-0 em Lisboa, foram os belgas a inaugurar o marcador na 2ª mão, pondo Eriksson em sentido, obrigando-o a arregaçar mangas para manter o controlo. Um aviso para o que viria depois, é tentador assim interpretar…
A mágoa sofrida aos pés do Anderlecht e à cabeçada de Lozano (o craque espanhol que logo a seguir assinaria pelo Real Madrid) foi a primeira ocasião duma história repleta de peripécias que criaríamos com os de Bruxelas – depois de 83, 87/88 para a Taça dos Campeões (que vencemos 2-1 no agregado), obstáculo dificil no trajecto para a final, onde deixámos fugir a glória para o PSV; 94/95, com Benfica e Anderlecht como favoritos do Grupo C – na Luz deu 3-1, na primeiríssima vez que João Vieira Pinto e Cannigia actuaram juntos no ataque, e 1-1 na última jornada, quando portugueses estavam já qualificados e belgas eliminados – o treinador Johan Boskam comentaria, num tom fascinado, que «empatar com o grande Benfica é muito bom»; E, depois do já falado 2004-05, 2013-14, novamente nos grupos da prova milionária, quando vencemos 2-0 e 3-2, vitórias que nos garantiram o terceiro lugar e a excitante possibilidade de disputar a Liga Europa.
De outros emblemas não se pode contar tanto ponto. Houve o triste confronto com o Liége ( Taça UEFA 88-89, 2-3 no agregado), aquele com o Lierse SK (Taça UEFA 95/96, 5-2 ag), La Louviére (UEFA 2003-04, 2-1 ag), ou um único, muito divertido por sinal, com o Beveren, na UEFA 04-05, quando ainda se jogava em grupos de 5 –a grande procura de bilhetes por parte dos emigrantes portugueses obrigou aos responsáveis belgas a montar… bancada amovível! Só de Bruxelas foram dez autocarros carregadinhos de boa gente e foi com essa multidão em polvorosa que o Benfica se desembaraçou por 3-0 e garantiu a passagem à fase seguinte.
Mais recentemente, o Standard Liège passou pelo caminho encarnado na Liga Europa 2020-21, saldando-se vitória em Lisboa e empate na viagem.
Contas feitas e é bastante positivo o desempenho benfiquista: 21 jogos, 12 vitórias e apenas quatro derrotas, a última em 2005. Golos marcados 34, sofridos 19 – e não fosse a derrota de 83, poderíamos classificar como dominante e esclarecedora a relação do Benfica com equipas daquele país. O mesmo se continua aplicar se metermos o Club Brugge na equação, que nunca defrontou benfiquistas de forma oficial mas em amigáveis leva lição a toda a linha – cinco jogos, cinco derrotas!
O Brugges teve o seu período áureo na década de 70, mas isso não foi impeditivo para os encarnados atormentarem as hostes belgas – em Agosto de ’73, um 2-3 a nosso favor; e em ’78, no Torneio de Roterdão, o Benfica despachava os belgas, finalistas da UEFA em ’76 e da Taça dos Campeões uns meses antes, por esclarecedores… 6-0. Na década de 80 mais dois confrontos: um em ’82, como forma de comemoração dos 78º aniversário encarnado, que deu em 4-1; e em ’86, no Torneio Internacional de Lisboa, de novo com impiedoso placard – 3-0. A última vez que apertaram mãos foi durante 98/99, numa Taça da Amizade jogada em Paris que resultou em novo 3-2 encarnado."
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