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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Uma questão de concessões


"A minha filha mais crescida completou três anos e pediu-me para ver o filme da Pequena Sereia, o meu filme favorito da Disney, que vi vezes sem conta e me fez sonhar em ter uma cauda, para poder mergulhar até ao fundo do mar e saber vencer a força das ondas, tal como ela.
Nas férias voltei assim a ver o filme, e revivi a magia daquele meu imaginário infantil...
Mas não só! Com outros olhos, vieram à tona os estereótipos sociais e de género, mensagens que em pequena me estavam completamente vedadas. Acontece então que a dada altura a Pequena Sereia tem de optar por ficar sem voz em troca de umas pernas, para poder andar e conquistar o homem dos seus sonhos.
Hoje, mulher, casada e mãe de duas meninas, dei por mim a ver um filme que me fascinava, mas perpetua a ideia de que está tudo bem, mesmo se um dia tivermos de perder a nossa capacidade argumentativa ou liberdade de expressão.
Fiquei deveras triste ao perceber que aquele filme trazia consigo uma mensagem tão contrária aos meus ideais e com os quais cresci. Facto é que os meus pais sempre me levaram a crer que independentemente do género podia sonhar e ser o que quisesse.
Tinha 14 anos quando nos meus sonhos a natação entrou de rompante. Em 2004, conquistei um lugar olímpico que mudou o meu planeamento de treino. De imediato integrei a seleção absoluta e era ainda uma menina. Lembro-me de uma série de episódios que normalizei durante toda a minha carreira desportiva. Lembro-me de ter, em determinadas situações, reivindicado meu lugar e o meu valor. Ainda assim, tenho marcadas as vezes que dentro e fora do desporto fui uma Pequena Sereia.
O desporto foi-me moldando e mostrando que está repleto de valor reputacional, valor económico, recentemente provou ao mundo o seu potentíssimo valor diplomático e de união. E, não menos importante e tão na ordem do dia, tem, idealmente, igualdade de género.
Prova disso mesmo foram os assuntos abordados na mesa redonda das brilhantes atletas Telma Monteiro, Patrícia Mamona, Maria Caetano, Lorene Bazolo e Tamila Holub com a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, no Comité Olímpico de Portugal. A voz ativa das atletas, o lugar na sociedade, a juventude e a igualdade de género resumiram os temas-chave que levantaram mais interesse e que mais inquietam o desporto no feminino em Portugal.
É já sabido que a igualdade de género traz à sociedade uma quantidade de benefícios para todos os que nela participam. A igualdade de género está longe de beneficiar em exclusivo as mulheres, para além de também desobrigar os homens de tantos estigmas, impostos por exemplo nestes "romances" da nossa infância.
E o desporto tem sido uma casa-mãe para esta conquista social.
Viveremos num mundo mais equilibrado quando todas as sereias mantiverem a sua voz. Quando as concessões pararem de ser sempre do lado feminino. O Príncipe não teve de fazer nenhuma!"

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