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quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Estes gajos são fantásticos


"É comum ouvir dizer que é na bola mais pequena e pesada, no piso rápido que muito adere ao que o pisa e nesse estilo de pisar em vez de apenas tocar que está a melhor forma de algodenizar o trato que se pode dar, com os pés, a qualquer objeto redondo. É uma carta com raízes impregnadas dentro do baralho do futebol, como as gargantuescas que se desconfia estarem a sustentar aquelas árvores milenares que se avistam durante um passeio na floresta: quem andou no futsal antes do futebol conseguiu aprimorar a técnica.
Houve um tempo não há muitos tempos em que os distúrbios de personalidade de uma modalidade à procura do que era antes de o ser ainda divida as atenções pelo futebol de cinco, o futebol de salão e o futsal. Na década de 90, existiam os três tipos de chutos na bola dentro de um pavilhão, todos com regras distintas, até à FIFA se fixar na última das versões e andor, toca a empurrá-la em direção à globalidade possível, alavancando-se nas semelhanças com o futebol das relvas e dos estádios.
Por muito rebatida e repetida que seja a conceção de no futsal estar um meio de utilidade extrema para não se sair da infância com lacunas no trato de uma bola, as modalidades são apenas parentes. Ser bom numa não equivale a ter perícia na outra e uma boa amiga que tenho a sorte de ter, com vida dedicada a jogar futsal, resume que "o mais difícil é ser rápido na leitura e na execução, porque ambos têm de ser no mesmo timing" e esse nem sempre é o caso no futebol, onde há reinados de quem tem pausa, calma e temporização no jogo. Mas, há muitos anos, alguém recorreu ao tempo o pavilhão para compensar a falta de vagar para os relvados.
Jorge Braz era um adolescente a querer proteger um retângulo gigante na nesga de oportunidade que lhe deram na equipa principal do Desportivo de Chaves, onde o tinham como terceiro guarda-redes e ele tinha para si que o caminho de vida também poderia ser no curso de Desporto e Educação Física, na Universidade do Porto. As viagens de ida e volta de autocarro mastigavam-lhe o tempo, fomentavam preocupações com a benfeitoria do físico e Jorge experimentou o futebol de salão universitário para segurar os arames da sua forma.
É a síntese possível de uma história que desaguou, no domingo, em Kaunas, segunda maior cidade da Lituânia que ficou cravada com um pionés no mapa de vida de um homem nascido em Edmonton, no Canadá, mas com as raízes profundas em Sonim, aldeia transmontana onde dá nome a uma rua e reside a essência de quem fez da seleção nacional de futsal uma campeã da Europa e agora do Mundo.
A choradeira emocionada de Ricardinho, que dedicou o verão a curar uma lesão para tentar chegar ao Mundial e ali embalou os sentimentos com o hino nacional, antes da final; os segundos de João Matos curvado sobre a medalha, já no púlpito, encaracolado num momento só dele e do tudo que terá vivido até estar a viver aquilo; os pulos de alegria de Bebé, a fazer do chão do pavilhão um trampolim de êxtase. Estes e outros 13 jogadores-ganhadores têm estórias dentro e a de Jorge Braz deu-lhes o fim condutor das lendas.
Diz quem o conhece que Portugal tem um homem pacato e de coração cheio para o despejar nos outros a tomar conta da seleção de futsal e fico-me com ele, que do pouco à-vontade e parca habilidade a lidar com momentos de falatório público evoluiu, desde 2010 — quando virou selecionador principal —, para ser o fabricador de tiradas que constariam num manual de como mover jogadores para uma causa quando tudo o que pertence ao técnico, ao tático e ao trabalho de campo já foi preparado.
Dele ouvimos, contra a Espanha, que está "há 20 anos a dizer que somos melhores do que eles", e noutro desconto de tempo, frente ao Cazaquistão, a sair-lhe um "gente, já ganhámos isto" diante dos jogadores. Quem já pernoitou em casa da mãe de Jorge Braz para dar descanso ao esqueleto durante um périplo de bicicleta fala que as pessoas de Sonim têm a aldeia como a capital do Mundo e que lá corre qualquer coisa na água, acreditam que é diferente por dar capacidade às pessoas de tocarem na matéria dada nos seus sonhos.
Jorge Braz regressa a Sonim sempre que pode e da próxima vez retornará como campeão planetário de futsal, "é um gajo que tem esta paixão pela aldeia" e quem o disse não se importará com a informalidade quando foi o próprio selecionador, no maravilhoso que é ver alguém a repousar as defesas devido à alegria, a dirigir-se aos barulhentos portugueses presentes no pavilhão em Kaunas com o mesmo coloquialismo acariciador da alma. "Estes gajos são fantásticos", desabafou, virado para a bancada, quando bem podia estar a desmanchar-se em elogios aos seus jogadores.
Um tipo da mesma estirpe será Jorge Braz, que acabado de juntar o Campeonato do Mundo ao da Europa teve a elevação de lembrar que vem aí um estágio da seleção sub-19 de futsal e também da equipa nacional feminina. Foi o senhor futsal que percorre quilómetros para estar presente em jogos de todos os escalões, um pouco por todo o lado do país, a completar a aterragem de volta à Terra e a dar uma pista de uma evidência — é fantástico para Portugal tê-lo dedicado ao futsal."

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