"Quando ainda jogava, tinha de trabalhar e Hagan trocou-lhe as voltas; Do assalto ao retiro que lhe mudou a vida
1. Fora jogador do Benfica, jogador do Estoril se tornara por meados de 1971 - e cinco anos depois terminou o curso de Engenharia Electrotécnica e de Telecomunicações. Como futebolista, pouca ganhava. Casando-se, para comprar casa no Cacém, teve de pedir um empréstimo à Caixa e outro a uma amiga da mãe - e até a mobília teve de ser a prestações também.
2. Ao nascer-lhe a filha, para ter o dinheiro de que precisava, tornou-se o que na verdade não era - profissional: por meados de 1979 foi para Marítimo que lhe deu três vezes mais do que o Estoril lhe dava. Numa viagem a Espanha, os pais foram assaltados num semáforo, partiram-lhe os vidros, à mãe pedra atingiu-a na cabeça, criando-lhe stress pós-traumático. Ao ouvir do médico que o facto dela o ter longe lhe agravava a situação, pediu, então, dispensa do Marítimo...
3. Como o presidente do Estoril, Benito Garcia, também era dono do Hotel Palácio, aceitou voltar ao clube na condição de que lhe arranjasse emprego no hotel como engenheiro. Para se dedicar ao emprego nem sempre podia treinar com a equipa - fazia-o mais tarde, nem que tivesse de ser só um bocadinho: «Uma vez dei duas voltas ao campo e parei. Disse ao roupeiro que, se o treinador - que era o Jimmy Hagan - perguntasse, eu já tinha treinado. Quando ia a entrar no duche, ele apareceu: O senhor não treina? Respondi-lhe que já tinha treinado, atirou-me de rompante: Não, que eu estar no pinheiro e ver senhor só dar duas voltas. Come on! - estive uma hora a subir e a descer escadas.
4. Numa entrevista em A Bola, Rogério Azevedo perguntou-lhe: 10 de Janeiro de 1988 foi o seu primeiro jogo como treinador, lembra-se? - e a resposta saiu-lhe assim: «Lembro-me mais do último jogo como jogador-treinador: empatávamos nas Antas, para a Taça de Portugal, frente ao FC Porto que tinha conquistado a Taça dos Campeões Europeus, a Taça Intercontinental, a Supertaça Europeia. Depois perdemos 1-2 na Amoreira, no jogo de desempate, com dois golos de Rui Barros - e falhámos um penalty...»
5. Esse seu primeiro jogo como treinador foi na Amoreira, contra o Barreirense - e para ele soltata-se de um capricho do destino: «Ser treinador foi coisa que me apareceu por acaso na vida. Sugeri ao presidente do Estoril convidar o António Fidalgo, meu afilhado de casamento, ele só aceitou na condição de eu o ajudar, como adjunto. O Fidalgo fez uma época fantástica e indo para o Salgueiros, pediram-me no Estoril para ficar uns seis meses, fiquei seis anos...»
6. Levou o Estoril à I Divisão, por lá o manteve durante três anos - e, em Março de 1994, despediram-no, foi Carlos Manuel para o seu lugar: «Fui para a rua - e pensei: Acabou-se o futebol». Vendo-o amargurado pela chicotada, casal amigo que o visitara em casa, desafiou-o a ir a um retiro do Movimento dos Cursilhos da Cristandade: «Fui para pôr a cabeça em ordem, pensei que era uma boa oportunidade para estar três dias descansado - e encontrei Cristo».
7. Passou para o Estrela, de lá saltou para o FC Porto - e descobriram-no, ao abrir de uma manhã, a fazer a via-sacra pelo Santuário em Fátima, já então se sabia que sucedia o que continua a suceder: «Rezo todas as manhãs. E quando me deito também. Se ofereço o meu dia a Deus, tenho de agradecer-Lhe à noite». E, ao acordar, também nunca deixa de passar os olhos pelos versículos da Bíblia.
8. No primeiro ano nas Antas, levou o FC Porto ao campeonato do penta - nos seguintes juntou-lhes duas Taças e uma Supertaça. Depois de, no AEK ganhar a Taça da Grécia, foi para o Panathinaikos. O Sporting foi buscá-lo, sem nada ganhar também passou pelo Benfica - no PAOK repetiu a façanha do AEK: apanhou clube à beira da falência, pô-lo na Champions. Maior fulgor conseguiu com a selecção grega. A eternidade agarrou-a na de Portugal - entre imagens de fervor da saga: ele a rezar antes de Kuba partir para o penálti que eliminou a Polónia ou ele a passar, já a ferver de emoção, as mãos trémulas pelo crucifixo que tinha (como sempre tem...) no bolso antes de Clattenburg apitar para o fim do jogo que fez de Portugal campeão da Europa. (E por essa altura, um inglês de Birmingham, fã do Aston Villa, ficou a saber que a aposta que fizera no golo de Éder lhe rendera um milhão de libras...)."
António Simões, in A Bola
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