"No domingo à tarde, já não sei bem a propósito de quê, uma amiga dizia-me categoricamente que os melhores scones de Lisboa podem ser comidos na Casa de Chá de Santa Isabel, no Rato. Ao ouvir isto, o marido riu-se: "Manuela, eram os melhores há 20 anos. Agora há tantos outros... Isso são só as tuas memórias afectivas".
São, obviamente, as nossas memórias afectivas que nos fazem pensar que a comida da mamã ou da avó era - ou é - a melhor e, às vezes, no futebol, também distorcem, como é evidente, a nossa perspectiva sobre aquilo que já foi e aquilo que está a ser. Penso nisso muitas vezes a propósito daquele José Mourinho do FC Porto, que era o pináculo de um novo futebol (ou isto serão as minhas memórias afectivas?), e que, entretanto, parece ter-se perdido, entre outras vivências. Ou melhor, ganhou outra perspectiva.
Explicando isto melhor. Na semana que passou, Mourinho esteve no Fórum do Treinador, em Portimão, e disse o seguinte:
"Com os sistemas defensivos cada vez mais bem montados diria que a cada modelo de jogo cada vez mais terão de corresponder diferentes sistemas tácticos, principalmente nas fases de construção. Ou seja, num mesmo jogo vai ser cada vez mais necessário mudar de sistema táctico para surpreender os adversários. Note-se como tudo vai mudando e, se me permite afectar o protocolo, porque não vem no programa deste Fórum, gostava de lançar um trabalho de casa para todos e até para mim: pensar nas implicações que terá a nova regra, já aprovada pelas mentes brilhantes do International Board, que diz que no pontapé de baliza a bola já não tem de sair da área, o que poderá permitir ao adversário pressionar dentro da própria área. Muita gente vai abdicar da fase de construção e apostar no jogo directo. Terá implicações profundas e que tenho visto pouco debatidas."
Na perspectiva de Mourinho, a nova regra imposta pelo IFAB nos pontapés de baliza irá ter como consequência "o jogo directo", porque a bola já poderá ser tocada dentro da área e o adversário poderá pressionar mais perto da baliza. Tem graça, porque eu - modestamente, pois claro - tenho a perspectiva totalmente oposta (poderia também acrescentar que o Mourinho do FC Porto também teria perspectiva diferente, mas...). Mesmo depois de ter lido e relido as novas regras, vejo esta mudança como benéfica para quem quer sair a jogar a partir de trás. Agora, os defesas podem receber a bola dentro da área - os adversários têm de manter-se fora da mesma até que a bola se mexa -, o que permite mais espaço para receber, pensar e executar a acção seguinte - no futebol de formação então, esta mudança é uma enorme dádiva, porque no futebol 7 ou no futebol 9 ou até mesmo no futebol 11 há muitas equipas que impedem o adversário de sair a jogar com segurança e os mais novos muitas vezes não têm nem precisão nem força suficientes para sair a jogar de forma mais média/longa, pelo que esta nova regra passa a ser uma bela salvaguarda para pôr a bola em jogo, no pé de alguém.
Isto, obviamente, é só a minha perspectiva. E, no fundo, é sempre tudo uma questão de perspectiva, que é influenciada pelas nossas vivências. Este fim de semana, na perspectiva nacional, o passatempo preferido de todos, do primeiro ao último (!) classificado, foi bater nas arbitragens e parece que, nas próximas seis semanas, nada mais haverá no nosso futebol senão árbitros, videoárbitros, ângulos, câmaras, malas, doping e toda uma panóplia de outros ataques sobre os quais prefiro nem ter perspectiva.
Porque vem aí uma semana europeia, com o FC Porto a ir a Liverpool e o Benfica a receber o Eintracht (e, espera-se, Ronaldo a recuperar a tempo de ir à Holanda defrontar o impressionante Ajax), e, pelo menos nestes dias úteis, não ouviremos lengalengas sobre arbitragem. É a perspectiva europeia. Só nos falta mesmo colocar a nossa Liga nacional dentro da perspectiva europeia. Começando, sei lá, a multar e a castigar duramente quem critica, dia sim, dia não, o árbitro A, o videoárbitro B, o adversário C, o adversário D e por aí fora. Como se faz, aliás, na Premier League, onde quem mete o pé fora de água recebe logo castigo apropriado. E isto é, pois claro, uma questão de perspectiva.
(...)"
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