"Os gregos têm um formidável jeito para nomes. Vão para lá da imaginação. No meu tempo de liceu, quando estudava a história da Grécia Antiga, um dos temas mais fascinantes que podem interessar qualquer mente humana para aí virada, deixava-me fascinar por Leônidas, o general espartano da Batalha das Termópilas, por Mitríditas, o Rei do Ponto Euxino, por Xenófanes, Parménides e Zenão, os filósofos de Eleia, ou por Anaxágoras e Anaxímandro, Diotima de Mantineia, Empédocles e Alcibíades, Luciano de Samótasa, Tales de Mileto, Leucito de Apdera, Demócrito e Heródoto de Mileto, já para não falar do santuário dos grandes deuses de Samotrácia. Sinceramente! O que vai para aí de sons que ficarão para sempre presos nas minhas tão estafadas meninges. E havia também Xenofontes, filho de Grilo, amigo de Próxeno, natural de Erquia, escritor da Anábase. Meus amigos: tudo isto são poemas de rimas inimitáveis.
Xenofonte serviu na cavalaria ateniense durante a Guerra do Peloponeso e na expedição contra Artaxerxes II, xá da Aqueménida, e, diz a lenda, que foi encontrado por Sócrates com a cabeça enfiada numa valeta depois de ter levado uma valente carga de pancada. Tornaram-se amigos e Xenofonte seguiu o mestre como filósofo e historiador.
Uma figura interessantíssima, este Xenofonte, mas para já vou falar de outro Xenofonte, menos histórico, como está bem de ver, mas com lugar na ilustríssima lista dos Xenofontes: Xenofonte Castrisos, fotógrafo da Royal Australian Airforce durante a II Grande Guerra e que ganhou uma aura misteriosa quando fez capa de um jornal inglês tendo nas mãos outro jornal, este em cirílico, o Hellenic Harold. Um fotógrafo, fotografado por um jornal, lendo um jornal. Caspité! É mais labiríntico do que aquele nunca mais de corredores que Dédalo inventou para manter entretido o Minotauro em Knossos até ao dia em que Teseu resolveu ir lá pôr um ponto final na proverbial neurastenia do bicharoco.
Os ingleses são dados a whisky e a mistério. A fotografia de Xenofonte foi adquirida em leilão pela John Oxley Library e o bom do John resolveu oferecer um prémio a quem lhe trouxesse informações concretas sobre o moço que se dedicava tão atentamente ao que estava impresso num periódico de provável circulação reduzida.
Avancemos na narrativa. Xenofonte podia ser mais um dessa enorme massa de gente anónima, mas há sempre alguém que conhece alguém que conhece alguém que conhece alguém. É fruto dessa idiossincrasia dos homens que tem nome de gregaridade. Não tardou que um sujeito desembaraçado surgisse na frente do velho Oxley carregadinho de dados que entregou em troca de um punhado de Libras esterlinas: Xenofonte Haralamnos, Castrisios, há 14 anos residente na Austrália, na 174 Dornoch Terrace, South Brisbane, filho de Maria Castrissios (nascida Freelagus), sobrinho de Christy Freelagus, cônsul em Brisbane, e neto de Kosma Antohny Freelagus de Kythera. Digam-me lá, que mesmo à mistura com os sisudos britânicos, os gregos não têm a arte única de transformar nomes em tragédias e comédias tal como dominavam essa habilidade indesvendável da calipedia, a arte de fazer filhos bonitos?
Muito bem. Não precisam de responder. Mas também não espinafrem as circunvoluções do cérebro a tentar perceber a que propósito o bom do Xenofonte veio ocupar o meu discurso geralmente tão ocupado com coisas daqui e dali. Não é Xenofonte quem quer, mas também não tenho o hábito de me deitar à tarefa de andar por aí à procura de Xenofontes como quem esgravulha na pechblenda em busca do rádio como a saudosa senhora Curie, que pelo meio tinha um Skłodowska com muito que se lhe diga.
Xenofonte Castrisios foi um atleta de mão cheia e dedicava-se a todos os desportos, fundamentalmente ao remo. Lutou ferozmente para obter a nacionalidade australiana, algo que veio a conseguir por valentes e nobres serviços prestados à sua pátria de adoção. Quando resolvi saber mais uns pormenores sobre esta misteriosa figura de fotógrafo fotografado, dei com estas linhas: «I Xenophon Haralambous Crastisios, known as Xenephon H. Castle, of Greek nationality, born at LourençoMarques...».
Uma destas, agora, Começa um homem a desfiar por aí fora o fascínio de tudo o que a Grécia Antiga lhe ofereceu nos felizes anos de liceu ali para os lados dos Olivais-Sul, entre os Viveiros e o Dom Diniz, e tropeça com um Xenofonte nascido do tempo do velho império uno e indivísivel do Minho a Timor. Que me perdoe o outro Xenofonte, o de Erquia, porque este faz-me dizer como o divino Camões: «Cessem do sábio grego...». Sem por isso esquecer que o discípulo de Sócrates era um fascinador de cavalos. Inventor daquilo que um bom britânico chamaria nestes tempos que correm «horse whispering»."
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