"No dia 8 de Junho de 1962, o Benfica foi a Istambul atropelar o Fenerbahçe perante o seu público. 3-1: golos de Coluna, Eusébio e José Águas. Os turcos não esconderam o seu entusiasmo por aquilo que tinham acabado de ver.
Hoje vou fazer um recuo no tempo até 1962. Mês de Junho. Explico já aqui porquê: no dia 8 de Junho, o Benfica estava em Istambul. Adivinhou quem suspeitou que os encarnados estavam na Turquia para defrontar o Fenerbahçe. O jogo não era a sério. Ou melhor, ser até era, não há jogo do Benfica que não devam os que jogam levar a sério. Simplifiquemos: era um amigável.
Fenerbahçe, campeão da Turquia. Orgulhosamente campeão turco decidido a fazer frente ao guarda Benfica.
Pobre Fenerbahçe! Mal sabia o que lhe iria acontecer.
O desnível foi grande, grande. A vitória dos portugueses por 3-1 acabaria por ser escassa para a diferença entre as equipas.
Na véspera, a imprensa turca tinha apostado na vitória do seu campeão. Descrevera-lhe as virtudes e comparara-as com as virtudes dos visitantes. Destacara que tudo estava preparado para um ambiente terrível e para um triunfo histórico. Qual quê?
O entusiasmo turco durou dez minutos.
Lançaram-se como loucos sobre a defesa benfiquista. Forçaram lances de combate, foram violentos, arranjaram discussões a cada lance dividido. Debalde.
Germano e Cavém mostravam-se imperiais. Eram eles os senhores do Bósforo.
O Benfica não tardou a marcar o ritmo dos acontecimentos. A classe do seu meio-campo impôs-se de forma absoluta. Não havia discussão possível sobre a qualidade de uns e de outros. O público, inicialmente raivoso, foi-se calando. E dispôs-se a assistir a uma lição de futebol que jamais haveria de esquecer.
Uma exibição encantadora...
Águas, Eusébio e Simões eram terríveis. Ligeiramente atrás deles, José Augusto e Coluna erguiam-se como figuras inimitáveis.
Até Cruz começou a aparecer no ataque com um à-vontade surpreendente.
Ozman, Naci e Ozcan, os defesas do Fenerbahçe, entravam em pânico com os movimentos ofensivos dos lisboetas.
O golo adivinhava-se.
38 minutos: Coluna fez 1-0.
40 minutos: Eusébio fez 2-0.
Boquiabertos, os adeptos turcos assistiam a um futebol de uma qualidade a que não estavam, decididamente, habituados.
Aos 59 minutos, Águas fez o 3-0.
O futebol apresentado pelos campeões da Europa era maravilhoso!
Nunca o Fenerbahçe tinha sido assim batido em sua própria casa.
Aliás, o feito dos encarnados foi incensado nos dias que se seguiram. 'Grande, grande Benfica!', exclamavam os jornais turcos. 'Não é fácil ver entre nós jogadores de tanta categoria...'
No campo, a superioridade benfiquista não era aceite com o mesmo desportivismo.
A dureza fazia parte de todos os movimentos.
No segundo tempo, o Fenerbahçe foi à procura de um golo que minimizasse a sua inquestionável inferioridade. À bruta!
Coluna fica com a cabeça rachada. Mas tanto lhe fez: manteve-se de pedra.
Uma confusão na área de Costa Pereira leva ao penálti que Seffer transformou a um minuto do fim.
Uma espécie de festa, afinal.
O jogo que chegava ao final no Estádio Paxá Mah Mittah.
30 mil pessoas ergueram-se em bloco: aplausos frenéticos, gritos de satisfação, gestos de admiração.
O público turco não perdia a oportunidade de se render à superioridade do Benfica. Percebera que vira algo que fugia a tudo aquilo a que estava habituado.
O grande Benfica atropelara o Fenerbahçe em Istambul.
Mundos tão distantes!"
Afonso de Melo, in O Benfica
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