"O espelho tem um formidável valor metafórico, de consciência. O homem que se vê ao espelho não o fará, nesse sentido supremo, por vaidade, antes por introspecção. Repare o leitor a força destas alusões usuais da cultura popular de percepção:
- «Espelho meu, haverá alguém mais bela do que eu?», pergunta a Rainha Má da Branca de Neve.
- Todo o Do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carrol, tormento constante da consciência de Alice.
- O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, no qual Gray vai comparando a sua imagem com o retrato, enfeitiçado e progressivamente monstruoso, que dele pintaram.
- Drácula, de Bram Stoker, no qual a perversidade vampírica do monstro é de tal extremo que nem no espelho o outrora homem se reflecte.
Bruno de Carvalho conhecerá estas menções. Pelo menos uma destas quatro. Considero inconcebível ignorar todas. Em todo o caso, parece-me que lhe terá escapado o valor simbólico do espelho. Quando alguém perde o apoio dos sportinguistas depois das demissões em barda nos órgãos sociais que os sportinguistas representativamente elegeram é porque não se viu ao espelho. Ou os sportinguistas votam e depois têm de se debruçar sobre toda e qualquer questão do Sporting? Não é para não o fazerem que elegem representantes? Não são assim as democracias? Quando Bruno de Carvalho vê Rui Patrício (além de William, Podence...), homem com mais jogos que Damas e a um passo, agora por dar, de alcançar Hilário, fugindo (sim, fugindo) do clube que sempre foi o dele, mesmo assim Bruno de Carvalho não consegue contemplar, no espelho, o que essencialmente se passa: está a tornar-se um personagem de fantasia, de extravagância, de devaneio. Um qualquer daqueles quatro, não sei bem qual."
Miguel Cardoso Pereira, in A Bola
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