"Quando há mais de vinte anos, no ensino secundário, desperdicei a oportunidade de estudar geometria descritiva no 12.º ano, não imaginava o teor da disciplina na sua plenitude. Sabia do que se trataria em parte: 'Técnicas para representação de objectos tridimensionais num plano bidimensional'.
Porém desconhecia que, nas últimas aulas, ensinar-se-iam metodologias de deturpação dessas técnicas em prol de objectivos comunicacionais no futebol português. Infelizmente, optei por noções de administração pública.
Até à introdução do videoárbitro no futebol português, ignorei conceitos básicos da disciplina como, por exemplo, o 'ponto de fuga'. Muito honestamente, sempre pensei que ponto de fuga designasse a Madalena, com destino à Galiza, e com os devidos agradecimentos a um juiz amigo. Mas estava enganado. Pelos vistos é outra coisa e estamos sempre a aprender: 'O ponto de fuga é um ente do plano de visão, que representa a intersecção aparente de duas, ou mais, rectas paralelas, segundo um observador num dado momento'.
Ao ler esta definição, encontro pelo menos três constrangimentos óbvios: e se os observadores forem cretinos? E se o momento for o que os cretinos entenderem que lhes dá mais jeito? E se os cretinos deturparem o plano de visão? Ora, parece-me evidente que a coisa não seria para levar a sério. No entanto, não há cretinos que tenham voz se não existirem néscios que reproduzam a mensagem acriticamente. Que figurinha fazem os jornalistas que se demitem da sua função e não perguntam aos cretinos por rectas paralelas, cortes e afins quando o videoárbitro repõe a verdade desportiva em seu favor...
É caso para se dizer que a insídia se intersecta com o laxismo."
João Tomaz, in O Benfica
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