"Talvez ninguém tenha transformado o futebol em literatura como o Nélson Rodrigues - que disse:
- A primeira e grande virtude do campeão não é a técnica ou a táctica, como presumem os idiotas da objectividade. O que marca o campeão é a sorte, ou seja - uma virtude sobrenatural.
Com o Benfica perto de se tornar campeão eu tenho ouvido amiúde:
- ... foi sorte... é a sorte... só sorte!
Se foi a sorte, foi aquela sorte que dá trabalho, que custa muito suor e muita esperteza. Mas não foi só. No futebol, todas as dúvidas são traidoras - e a pior que se pode ter na cabeça (e nos pés) é a dúvida de se duvidar de si. Ou seja: quando os jogadores jogam como se estivessem sempre a suspeitar da sua grandeza vão-se tornando mais pequenos do que são - e os jogadores do Benfica, mesmo quando não jogaram no brilho que a sua grandeza lhes permitiria (e às vezes não jogaram...), nunca jogaram a suspeitar da sua grandeza, nunca se tornaram mais pequenos do que na verdade são. Foi sorte? Foi. Foi a sorte de terem Rui Vitória - que depois de ter caído com a equipa no lodo, não deixou que o coração da equipa (e o seu) lá ficasse preso. Sacudiu-o da lama, concertou-o - e, a agitá-lo sem mais parar, foi fazendo dela, da equipa, cada vez mais uma melhor equipa, a melhor equipa.
É verdade: quem jogou o futebol mais deslumbrante, mais eletrizante e mais sensual do campeonato foi o Sporting. Mas o ter jogado futebol assim não significa aquilo que Jesus prega a sete ventos:
- Somos a melhor equipa do campeonato, ninguém tem dúvidas...
Eu tenho. Porque, no futebol, a melhor equipa não é a equipa mais capaz de ganhar concursos de beleza - é a equipa mais capaz de ganhar campeonatos. E o Sporting se perder este campeonato perde-o por ter tido a cabeça dos pés no ar em três ou quatro jogos onde não podia perder pontos - e perdeu. Coisa que o Benfica não fez. Alguns ganhou-os na alma - ou na sorte de a ter como a tem - como uma virtude sobrenatural..."
António Simões, in A Bola
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