"Certa noite, no Craven Cottage, na margem esquerda do Tamisa, trinta mil pessoas puderam assitir a algo de admirável: Jordão e Eusébio percorrendo o campo trocando entre si a bola de cabeça até ao remate definitivo de um golo inesquecível. Qualquer coisa de único, acreditem...
E se falássemos de Jordão? Outro dia trouxe-o aqui por via da vitória no estádio de Colombes, em Paris, frente ao Bayern de Munique, em 1972, fazendo com Eusébio uma parelha de gatos negros em campo vermelho que os bávaros não conseguiram controlar. Nada como voltar à matéria quando esta é suculenta e dá motivo para mais lembranças.
Rui Manuel Trindade Jordão: um daqueles nomes que aprendemos a dizer por extenso. Esteve cinco épocas da Luz e foi campeão quatro vezes.
É verdade que se ligou, depois, mais tarde ao Sporting e tem hoje estatuto de velha glória 'leonina', mas a verdade igualmente verdadeira é que foi o Benfica que o deu ao Futebol e isso não se apaga. Embora tenha vindo de outro Sporting, o Sporting de Benguela, para os juniores 'encarnados' numa transacção que valeu na época ao redor dos trinta contos.
Dinheiro bem gasto!
Podia rabiscar por aqui episódios infinitos sobre a carreira de Jordão. Teve momentos únicos e inigualáveis naquele seu estilo repentista de quem parecia estar adormecido para saltar, de repente, do seu repouso para o centro de batalha. Podia e ainda posso. Voltarei certamente a falar de Jordão, mas hoje quero falar de um noite em Londres na qual o Benfica defrontou o Fulham num jogo dito amigável, nas vésperas de defrontar o Feyenoord para a Taça dos Campeões Europeus - e que exibição fez Jordão na segunda mão dessa eliminatória no Estádio da Luz!!!
Eram tempos diferentes esses. Não se vivia a cultura do descanso, do repouso, o drama insuportável do desgaste.
O Benfica vendia o seu nome pelo Mundo a preços exorbitantes. Por isso foi o sudoeste de Londres, junto a Hammersmith, entalado entre Putney e Chelsea, para exibir as suas estrelas, apesar de estar à beira de um jogo a doer.
Impossível de esquecer!
No Craven Cottage, os 'encarnados' perderam por 2-3.
Mas isso, para esta crónica pouco importa.
O mais importante foi o golo - um dos golos. O segundo do Benfica.
Imaginem: bola por lato no meio campo. Jordão toca de cabeça para Eusébio e este devolve de cabeça para Jordão. Até aí tudo normal. Mas depois o gesto repete-se. Uma e outra e outra vez. Eusébio e Jordão vão devorando o adversário com toques de cabeça sucessivos, percorrendo assim o espaço até à grande-área. Basta! A bola sai da cabeça de Jordão para o pé direito de Eusébio e o remate de primeira é forte, indefensável e sublime.
O público inglês levanta-se de supetão. Era exactamente para isto que tinham saído de casa.
Os aplausos não param. Uma obra de arte assim nunca se vira desde que o Fulham fora fundado, em 1879.
Eram trinta mil almas em redor de um relvado na margem esquerda do Tamisa.
O primeiro golo do Benfica fora obra de Diamantino. Mas a figura que brilhava na noite era um gato preto de nome Jordão.
«No modesto campo do Fulham assistiu-se ontem à colocação de um jogador português na rampa de lançamento para o estrelato internacional», escrevia Joaquim Letria. «Esse jogador é Jordão! O jovem africano esteve em todas. Foi dele que partiu o primeiro golo e o total mérito do segundo golo benfiquista fica a dever-se a ele e a Eusébio. (...) Um verdadeiro golo de antologia que durante muito tempo perdurará na memória de quantos assistiram ao desafio».
Jordão continuou por muitos anos a ser Jordão e o Estádio da Luz pôde vê-lo na plenitude da sua juventude e aplaudir o seu estilo desconcertante. Depois partiu. Para Saragoça numa época infeliz, e para a Sporting para mais épocas felizes.
Não deixou de ser discreto. Libertava o entusiasmo nos campos de futebol e, fora deles, preferiu sempre o silêncio.
Eu lembro-me dele como o gato preto de Erico Veríssimo.
Aproveitei para roubar-lhe o título desta página. Não levará a mal certamente. Nem que seja pelo prazer com que o li. Nesse livro e em tantos outros da sua autoria. Faço-lhe uma vénia e agradeço.
E saio com um ponto final."
Afonso de Melo, in O Benfica
Um dos melhores golos q já vi pertence a Rui Jordão, na altura c/ a camisola do Sporting, de calcanhar, contra o Porto, perfeitamente intencional, num jogo q ficou 3-3.
ResponderEliminarNão esquecer o Europeu de França onde merecíamos ter sido campeões.
FranciscoB
Aí vai o link, c/ os fabulosos comentários de Gabriel Alves. Golo ao minuto 1.50.
Eliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=geS1liddigY
FranciscoB