"As derrotas recentes do Benfica foram associadas a maldições. A velha de Gutmann, a nova do minuto 92. Não acredito em maldições, mas acredito na sorte e no azar. E tenho achado curioso, por estes dias, que quando os adeptos do Benfica se lamentam dos azares alguém lhes diga que o azar não existe no futebol, que tudo é resultado do que se sabe e consegue. Que a sorte dá trabalho, como se diz naquele tom moralistazinho. É claro que não é só assim.
Num jogo há variáveis que podem ser controladas e é a capacidade para esse controlo que separa os bons dos maus, sim; mas, por definição, um jogo implica aleatoriedade, acaso. Partindo do princípio que o futebol vive de falhas - passes e remates falhados ou corridas sem efeito prático são mais comuns do que acertos e golos -, é nos momentos em que se erra que pode detectar-se a sorte de uma equipa. Ou seja, se nos momentos em que ela falha a outra acerta sempre, ou muitas vezes, é justo dizer-se que teve azar. E, por correspondência, a outra sorte. E o oposto, claro. É uma ideia simples e desvalorizada, porque parece contrária à tal defesa de profissionalismo e competência.
Nada disto é o mesmo, no entanto, que dizer que o futebol é um jogo de azar. É, antes, um jogo com sortes e azares. Se fosse, realmente, apenas um jogo de azar já o teriam ilegalizado. Ainda na semana passada um Juiz do Rio de Janeiro, no Brasil, sentenciou o póquer como um jogo de azar e logo proibido, atendendo o pedido de um promotor que contrariava uma comissão de peritos da polícia que garantia, por sua vez, que o póquer dependia mais da capacidade do jogador do que da sorte. O velho argumento do póquer como jogo baseado na habilidade matemática a na capacidade de interpretação do adversário e não tanto na sorte ditada pelo virar de cartas pode, assim, ir caindo por terra.
No futebol, não creio que alguma vez a sorte seja tão influentemente considerada. Mas que está lá está. Ou não."
Miguel Cardoso Pereira, in A Bola
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